sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A Verdade que está na Bíblia

A Verdade que está nas Sagradas Escrituras

“Pilatos entrou no pretório, chamou Jesus e perguntou-lhe: És tu o rei dos judeus? Jesus respondeu: Dizes isso por ti mesmo, ou foram outros que to disseram de mim? Disse Pilatos: Acaso sou eu judeu? A tua nação e os sumos sacerdotes entregaram-te a mim. Que fizeste? Respondeu Jesus: O meu Reino não é deste mundo. Se o meu Reino fosse deste mundo, os meus súditos certamente teriam pelejado para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu Reino não é deste mundo. Perguntou-lhe então Pilatos: És, portanto, rei? Respondeu Jesus: ‘Sim, eu sou rei. É para dar testemunho da verdade que nasci e vim ao mundo. Todo o que é da verdade ouve a minha voz’. Disse-lhe Pilatos: Que é a verdade?...” (João 18,33-38a).

Pilatos não ficou com Jesus para ouvir a resposta de sua indagação: “Que é a Verdade?”. Talvez Jesus dissesse como disse aos seus discípulos: “Eu sou a Verdade”. Mas para Jesus Cristo ser a Verdade esta se expressa no seu modo de ser.

Jesus Cristo vive a Verdade de três modos:

a) Ele vive a vida divina e seu relacionamento com o Pai vivendo a vida humana;

b) Ele não se faz carente de absolutamente nada nesta terra. De nenhuma pessoa, nem mesmo de Sua Mãe santíssima, de nenhuma glória, de nenhuma fama, de nenhum bem material, de absolutamente nada. Mesmo de seus milagres, Ele pede aos miraculados que não falem a ninguém a respeito do milagre. “Aproximou-se dele um leproso, suplicando-lhe de joelhos: Se queres, podes limpar-me. Jesus compadeceu-se dele, estendeu a mão, tocou-o e lhe disse: Eu quero, sê curado. E imediatamente desapareceu dele a lepra e foi purificado. Jesus o despediu imediatamente com esta severa admoestação: Vê que não o digas a ninguém; mas vai, mostra-te ao sacerdote e apresenta, pela tua purificação, a oferenda prescrita por Moisés para lhe servir de testemunho. Este homem, porém, logo que se foi, começou a propagar e divulgar o acontecido, de modo que Jesus não podia entrar publicamente numa cidade. Conservava-se fora, nos lugares despovoados; e de toda parte vinham ter com ele” (Marcos 1,40-45).

c) Jesus Cristo não vive no Paraíso, aliás está sempre cercado de adversários. Mas vive como se estivesse no Paraíso. Antes do pecado original e de sua expulsão do Paraíso, Adão e Eva viviam diretamente da graça de Deus e tudo o que recebiam sabiam que era graça direta de Deus, que os mantinha. Assim vive Jesus: diretamente do Pai que é seu alimento, sua razão de ser e sua Vida. “Entretanto, os discípulos lhe pediam: Mestre, come. Mas ele lhes disse: Tenho um alimento para comer que vós não conheceis. Os discípulos perguntavam uns aos outros: Alguém lhe teria trazido de comer? Disse-lhes Jesus: Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e cumprir a sua obra” (João 4,31-34). “Disse-lhe Filipe: Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta. Respondeu Jesus: Há tanto tempo que estou convosco e não me conheceste, Filipe! Aquele que me viu, viu também o Pai. Como, pois, dizes: Mostra-nos o Pai... Não credes que estou no Pai, e que o Pai está em mim? As palavras que vos digo não as digo de mim mesmo; mas o Pai, que permanece em mim, é que realiza as suas próprias obras” (João 14,8-10). “De manhã, tendo-se levantado muito antes do amanhecer, ele saiu e foi para um lugar deserto, e ali se pôs em oração. Simão e os seus companheiros saíram a procurá-lo. Encontraram-no e disseram-lhe: Todos te procuram. E ele respondeu-lhes: Vamos às aldeias vizinhas, para que eu pregue também lá, pois, para isso é que vim (esta é a vontade de meu Pai)” (Marcos 1,35-38). Como vemos Jesus não se dobra a nenhuma carência, não liga para fama e prestígio.

Após o pecado original e a expulsão do Paraíso da graça de Deus, Adão e Eva começam a viver do fruto do seu trabalho e de sua inteligência. A condenação da serpente é obviamente dirigida à pessoa humana após o pecado: “13. O Senhor Deus disse à mulher: Porque fizeste isso?” “A serpente enganou-me,– respondeu ela – e eu comi. Então o Senhor Deus disse à serpente: “Porque fizeste isso, serás maldita entre todos os animais e feras dos campos; andarás de rastos sobre o teu ventre e comerás o pó todos os dias de tua vida” (Genesis 3,13-14). É obvio que a serpente não tinha patas antes do pecado original. E também: “E disse em seguida ao homem: “Porque ouviste a voz de tua mulher e comeste do fruto da árvore que eu te havia proibido comer, maldita seja a terra por tua causa. Tirarás dela com trabalhos penosos o teu sustento todos os dias de tua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos, e tu comerás a erva da terra. Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de que foste tirado; porque és pó, e pó te hás de tornar” (Geneis 3,17-19). Estas passagens mostram o fracasso da pessoa humana que pretende dar vida a si mesma pelo seu trabalho. Por mais que trabalhe e tenha prestígio, fama e sucesso a vitória sobre a morte só pode vir por graça de Deus, o Criador, que dá à pessoa humana uma vida mortal e uma vida imortal. Isso é expresso na literatura sapiencial de Israel: “Palavras do Eclesiastes, filho de Davi, rei de Jerusalém. Vaidade das vaidades, diz o Eclesiastes, vaidade das vaidades! Tudo é vaidade. Que proveito tira o homem de todo o trabalho com que se afadiga debaixo do sol? Uma geração passa, outra vem; mas a terra sempre subsiste. O sol se levanta, o sol se põe; apressa-se a voltar a seu lugar; em seguida, se levanta de novo. O vento vai em direção ao sul, vai em direção ao norte, volteia e gira nos mesmos circuitos. Todos os rios se dirigem para o mar, e o mar não transborda. Em direção ao mar, para onde correm os rios, eles continuam a correr. Todas as coisas se afadigam, mais do que se pode dizer. A vista não se farta de ver, o ouvido nunca se sacia de ouvir. O que foi é o que será: o que acontece é o que há de acontecer. Não há nada de novo debaixo do sol” (Eclesiastes 1,1-9) .

A grande parábola do fracasso dos esforços humanos é o relato da Torre de Babel: “Toda a terra tinha uma só língua, e servia-se das mesmas palavras. Alguns homens, partindo para o oriente, encontraram na terra de Senaar uma planície onde se estabeleceram. E disseram uns aos outros: “Vamos, façamos tijolos e cozamo-los no fogo.” Serviram-se de tijolos em vez de pedras, e de betume em lugar de argamassa. Depois disseram: ‘Vamos, façamos para nós uma cidade e uma torre cujo cimo atinja os céus. Tornemos assim célebre o nosso nome, para que não sejamos dispersos pela face de toda a terra’. Mas o senhor desceu para ver a cidade e a torre que construíram os filhos dos homens. ‘Eis que são um só povo, disse ele, e falam uma só língua: se começam assim, nada futuramente os impedirá de executarem todos os seus empreendimentos. Vamos: desçamos para lhes confundir a linguagem, de sorte que já não se compreendam um ao outro’. Foi dali que o Senhor os dispersou daquele lugar pela face de toda a terra, e cessaram a construção da cidade. Por isso deram-lhe o nome de Babel, porque ali o Senhor confundiu a linguagem de todos os habitantes da terra, e dali os dispersou sobre a face de toda a terra” (Genesis 11,1-9). As pessoas queriam atingir os céus pelo seu orgulho e inteligência. Acontece que os projetos humanos falham quando se baseiam no orgulho e vem daí a confusão das línguas que não precisam ser idiomas diferentes, como sugere o relato. No orgulho, num mesmo idioma as pessoas se desentendem. Jesus se refere a esta passagem quando diz: “Quem de vós, querendo fazer uma construção, antes não se senta para calcular os gastos que são necessários, a fim de ver se tem com que acabá-la? Para que, depois que tiver lançado os alicerces e não puder acabá-la, todos os que o virem não comecem a zombar dele, dizendo: Este homem principiou a edificar, mas não pode terminar” (Lucas 14,28-30). Jesus Cristo denuncia que os esforços humanos não realizam as aspirações humanas sem a graça de Deus. Só Deus pode realizar os anseios mais profundos da alma humana.

Se, pois, vos disserem: Vinde, ele está no deserto, não saiais. Ou: Lá está ele em casa, não o creiais. Porque, como o relâmpago parte do oriente e ilumina até o ocidente, assim será a volta do Filho do Homem. Onde houver um cadáver, aí se ajuntarão os abutres. Logo após estes dias de tribulação, o sol escurecerá, a lua não terá claridade, cairão do céu as estrelas e as potências dos céus serão abaladas. Então aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem. Todas as tribos da terra baterão no peito e verão o Filho do Homem vir sobre as nuvens do céu cercado de glória e de majestade. Ele enviará seus anjos com estridentes trombetas, e juntarão seus escolhidos dos quatro ventos, duma extremidade do céu à outra” (Mateus 24,26-31). É evidente que as estrelas não poderão cair do céu. Cada estrela sozinha é maior que a terra e não haveria espaço nem para duas estrelas. Podemos então perceber que se o sol escurecerá e a lua não terá mais claridade será por causa das poluições criadas pela inteligência do homem. Nenhuma descoberta científica serve somente para o bem, mas conforme o pecado humano tudo pode ser usado para o mal também. Hoje se usa a ciência para provocar abortos e muitos que sofrem de doenças morrem não somente das doenças, mas dos dolorosos tratamentos para algumas dessas doenças. Então quando os frutos da inteligência humana mostrarem o seu poder de morte o Senhor Jesus Cristo virá para salvar os seus eleitos, que não deverão temer. “Quando começarem a acontecer estas coisas, reanimai-vos e levantai as vossas cabeças; porque se aproxima a vossa libertação” (Lc 21,28).

Então, a Verdade básica que está em todas as Sagradas Escrituras é que somente Deus pode dar vida eterna à pessoa que Ele criou por seu amor e todo recurso humano às criaturas, suas posses, o fruto do seu trabalho, seus sucessos, nada disso é capaz de satisfazer os seus anseios mais profundos. A pessoa humana anseia por vida plena. “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio junto de Deus. Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito. Nele havia a vida, e a vida era a luz dos homens. A luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam” (João 1,1-5). A vida era a luz dos homens. Todo o esforço humano é para alcançar vida mais plena. Mas esta só lhe poderá ser dada por seu Criador. Nenhuma criatura tem o poder de conferir vida mais plena para a pessoa humana criada à imagem do Seu Criador. Só Deus mesmo o pode.

É também por estas razões que Jesus Cristo afirma que quem não renunciar a si mesmo e não aceitar a realidade com suas cruzes todos os dias (a Verdade é a Realidade) e não renunciar a tudo o que possui não pode ser seu discípulo.

Em seguida, Jesus disse a seus discípulos: Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me. Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas aquele que tiver sacrificado a sua vida por minha causa, recobrá-la-á. Que servirá a um homem ganhar o mundo inteiro, se vem a prejudicar a sua vida? Ou que dará um homem em troca de sua vida?... Porque o Filho do Homem há de vir na glória de seu Pai com seus anjos, e então recompensará a cada um segundo suas obras” (Mateus 16,24-27).

Tendo ele saído para se pôr a caminho, veio alguém correndo e, dobrando os joelhos diante dele, suplicou-lhe: Bom Mestre, que farei para alcançar a vida eterna? Jesus disse-lhe: Por que me chamas bom? Só Deus é bom. Conheces os mandamentos: não mates; não cometas adultério; não furtes; não digas falso testemunho; não cometas fraudes; honra pai e mãe. Ele respondeu-lhe: Mestre, tudo isto tenho observado desde a minha mocidade. Jesus fixou nele o olhar, amou-o e disse-lhe: Uma só coisa te falta; vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me. Ele entristeceu-se com estas palavras e foi-se todo abatido, porque possuía muitos bens” (Marcos 10,17-22). Nesta passagem Jesus afirma que só Deus é bom, ou seja só Ele sacia os anseios do coração da pessoa humana. Só Ele é completamente bom para a pessoa humana. E diz à pessoa para se desprender de seus bens, o que ela não consegue, colocando seus bens acima da vida eterna, que foi o motivo pelo qual ele se aproximou de Jesus Cristo. “Assim, pois, qualquer um de vós que não renuncia a tudo o que possui não pode ser meu discípulo” (Lc 14,33). Essa renúncia é a mostra de que todo o coração da pessoa humana deve pertencer somente a Deus. Só Deus pode satisfazer os anseios de vida plena e eterna da pessoa humana e dar-lhe a vitória sobre a morte. Esta é a Verdade básica das Sagradas Escrituras.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Teologia Moral da Vida

Teologia Moral da Vida

A vida é a categoria básica da Revelação. Deus é o Vivente, O Deus vivo, como aparece em pelo menos 20 passagens do Antigo Testamento e 14 do Novo Testamento. Toda vida humana é uma participação na vida divina. A vida humana na terra é “um sopro” de Deus (cf. Gn 2,7). E a vida eterna da pessoa humana é a comunhão da vida das Pessoas da Santíssima Trindade.

1Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que não der fruto em mim, ele o cortará; 2e podará todo o que der fruto, para que produza mais fruto. 3Vós já estais puros pela palavra que vos tenho anunciado. 4Permanecei em mim e eu permanecerei em vós. O ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira. Assim também vós: não podeis tampouco dar fruto, se não permanecerdes em mim. 5Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanecer em mim e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer. 6Se alguém não permanecer em mim será lançado fora, como o ramo. Ele secará e hão de ajuntá-lo e lançá-lo ao fogo, e queimar-se-á” (Jo 15,1-6).

A alegoria da videira ilustra a participação da pessoa humana na vida da Santíssima Trindade, pela comunhão, realizada pelo Espírito Santo, princípio da unidade das Pessoas Divinas, com a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o Filho que Se fez carne humana (cf. Jo 1,14).

Deus é uma Comunhão de Três Pessoas, realizada pelo Espírito Santo. A humanidade é uma comunhão de muitíssimas pessoas, realizada pela carne, pela herança carnal (cf. Gn 2,24). O Filho, que participava eternamente da Comunhão Divina, Se encarnou, assumiu a natureza humana, entrando na comunhão humana também. Tornou-se o “Caminho” o elo de união entre as comunhões divina e humana. A Comunhão Divina tem a vida em si. A comunhão humana tem apenas um sopro de vida. Na medida em que cada pessoa humana acolhe o Espírito Santo e entra em Comunhão com o Filho – representada na alegoria de João 15 pelo ramo que permanece na Videira, que é o Filho de Deus – alcança a Vida Divina e Eterna, entra na Comunhão Divina no Filho, pelo Espírito Santo. O Pai é o “agricultor”, que enviou o Filho e, pelo Filho, o Espírito Santo, o que “plantou a Videira” da Vida no meio da comunhão humana. A Palavra acolhida nos purifica (cf. Jo 15,3) e o Filho é a Palavra (cf. Jo 1,1-4; Pr 8,22-31). “Dar fruto” é equivalente a viver o amor divino. Este amor é Vivo e se aniquila permanentemente a si mesmo para transmitir vida. Quem permanece na videira, Deus permanece nele (cf. Jo 15,4) e realiza nele a Sua obra. A obra de Deus é a geração da vida pela doação de si mesmo (cf. Fl 2,5-8). “Dar fruto” é então viver a dinâmica básica da vida cristã: “De graça recebestes (a vida), de graça daí (a vida)” (Mt 10,8).

A vida cristã, na sua própria essência é uma páscoa, um dar a vida (morrer dando-se), gerando mais vida, para viver eternamente em Deus. Então matar, deixar morrer e tudo o que não promove e desenvolve a vida está contra a vida cristã e separa a pessoa de Deus.

Por que a pessoa humana não promove sempre a vida? Mais uma vez, por causa do pecado original. A revelação cristã nos ensina que Deus é um amor que Se entrega, Se esvazia de Si, que “morre” para transmitir a vida e entrar em comunhão com a nova vida que só permanecerá nessa comunhão de vida com o próprio Deus. A pessoa humana só viverá nessa dinâmica do Amor Divino. Dando também a sua vida. Mas a pessoa, pelo pecado original, desconhece o Deus Verdadeiro, que é esse Amor, e imagina Deus apenas como um ser que é poderoso e auto-suficiente. E deseja “ser como Deus” (cf. Gn 3,5), acumular poder e auto-suficiência. Para tal, entra em concorrência, não em comunhão com as outras pessoas e pensa ter vida na eliminação, na morte da outra pessoa e não na comunhão com ela, não dando a vida por ela. Esta é a origem de toda violência contra a vida no âmbito da humanidade: a ânsia de viver em plenitude, mas desconhecendo a verdadeira natureza da vida. O mundo sofre, as vidas são ceifadas, porque as pessoas querem ser felizes, numa felicidade sem sabedoria divina, mas apoiada no ter as coisas, na sede de poder e na ambição de alcançar a vida pela própria força e não receber como graça divina.

Crítica a Artigo de Vida Pastoral - Paulus

Considerações sobre o artigo

Da Tutela Moral à Soberania Dialógica da Consciência

Fábio Régio Bento

Publicado em Vida Pastoral 248 – maio-junho 2006 – p. 19-24.

O ser humano busca felicidade, plenitude de vida, e nessa busca se autotranscende. Inventa coisas que lhe tornam a vida menos penosa. Assim domina o fogo, inventa a roda, a máquina, a telecomunicação, dominando cada vez mais a matéria e retirando dela recursos inusitados. Na mesma busca, porém, escraviza o seu próximo, guerreia, saqueia, e mata. Tanto desenvolvendo valores positivos quanto negativos, o instrumento que determina a ação do homem em busca de felicidade é a busca de poder. Ao homem parece que a felicidade e a plenitude de sua vida está em ampliar o seu poder sobre a natureza e o seu semelhante. Assim vai o homem em busca de poder e nessa busca vai aumentando sempre a opressão que pesa sobre si. A redenção que os homens esperam é sempre de um Messias poderoso, um filho de Davi que reine numa Jerusalém terrestre e estabeleça a vida plena sobre a terra. Dizem, uma sociedade justa e fraterna sobre a terra. Mas essa “sociedade justa e fraterna” não agrada aos homens em sua sede de poder. A menos que haja uma conversão e o homem não busque mais o poder. Quando o ser humano está sentindo-se oprimido deseja a justiça e a fraternidade. Quando alcança poder acha muito bom estar acima de seu semelhante, “protegendo-o”, “liderando-o”, etc... O Messias verdadeiro rejeitou as propostas de poder que lhe fez Satanás no deserto e o povo, após a multiplicação dos pães. O verdadeiro Messias, que é o próprio Caminho e Vida Plena, não buscou o poder, mas resolveu o dilema da humanidade – buscar felicidade adquirindo poder e terminar sendo oprimida por esse mesmo poder – tornando-se escravo, aniquilando-se até à morte e morte na Cruz. Só então o poder lhe foi dado pelo Pai, não conquistado por sua humanidade. O Pai lhe deu o Nome que está acima de todo nome e todo o poder no Céu e na terra.

Toda busca de poder do homem sobre a terra está marcada pelo pecado – o homem querer ter em si mesmo, sob seu controle, a Vida – e a Verdade está em que só Deus tudo criou e mantém, e o homem só pode ter legítimo poder se lhe é dado do Alto. E este só lhe é dado, como a Jesus Cristo se o homem renuncia a toda conquista ou afirmação de poder.

Dentro do Cristianismo é muito freqüente as pessoas honrarem externamente o Crucifixo, mas adorarem o que o Messias não foi: um rei de justiça nesse mundo mortal. Fazem ladainhas ao Cristo crucificado e acreditam em “construir uma sociedade justa e fraterna” neste mundo mortal. Afirmamos: o Reino de Cristo não é deste mundo, o seu poder sobre este mundo só se manifestará plenamente na Parusia. Até lá satanás terá poder e a mentira e o engano estarão poderosos neste mundo. Enquanto houver a morte, só o Espírito de Cristo, que nos leva a aceitar voluntariamente a morte – participar da Cruz do Senhor –, dando nossa vida pelos outros e não afirmando-a – o que leva à busca de poder – é que nos liberta do poder de satanás. A Missão da Igreja é convidar as pessoas a participar desse Reino escatológico. Os sinais do Reino que já se fizerem visíveis por causa da liberdade dos que renunciaram à busca de poder vivendo o Evangelho, são um testemunho e um acréscimo concedidos pelo Senhor e não um fim em si mesmo, e muito menos o Reino de Deus.

O artigo de Fábio Régio Bento está todo calcado na idéia de disputa humana de poder. Mesmo que quando apela para o caráter batismal do leigo pareça apoiar-se numa ordenação divina. Quer mostrar que pelo caráter batismal o laicado tem poder para estabelecer regras morais na Igreja. e que se o clero se arroga o poder de estabelecer regras morais é devido ao “clericalismo”, é uma usurpação e concentração de poder nas mãos de poucos.

Começa afirmando que todo o poder vem do povo e que não há problema algum quando se afirma que todo o poder vem de Deus. Coloca a questão de se o poder vem de Deus por meio do clero, como se pensava, ou por meio do povo. Apela para a Lumen Gentium 32 e a Dignitatis Humanae 3 para afirmar a igualdade fundamental e a liberdade de consciência moral de todos os batizados. Interpreta-os de forma individualista, como os protestantes, como se Deus fosse obrigado a dar a mesma lucidez à consciência moral de cada cristão – o que é semelhante à doutrina do livre-exame, protestante.

Não dispensa-se de afirmar: a Igreja do Vaticano II se autocompreende como Igreja povo de Deus. E inicia seu artigo trazendo concepções absolutamente estranhas à Revelação, tiradas da revolução francesa e da Constituição brasileira, acerca da concepção moderna de “povo”.

O autor esquece que a Igreja é também um corpo, o Corpo de Cristo. E esquece a natureza carismática da Igreja. De que se todos os batizados participam do múnus régio, profético e sacerdotal de Cristo, participam em graus diferentes segundo os carismas que cada membro recebe para a edificação de todo o corpo. Não é do povo que emana o poder, mas de Deus e o “para-quedas” que tal poder usa para chegar à terra – para utilizar a expressão do próprio autor – é o carisma que Deus dá a cada um em sua liberdade divina e não o “povo” como um todo. Assim, Deus pode, através de determinados leigos, iluminar a sua Igreja, mas cabe ao Papa ou ao Magistério autêntico que nele tem sua autoridade, confirmar essa iluminação discernindo a autenticidade desse carisma. E isso não é clericalismo, porque não é afirmado que qualquer padre ou bispo pode estabelecer normas morais. E nisto, todo bispo ou padre é igual a todo leigo.

A afirmação do “povo” como instância de poder é despersonalizante e massificante. Deus se revela sempre a pessoas particulares em favor de todo o corpo, mas não ao corpo como um todo. Alguém é testemunha de uma determinada verdade para, anunciando e sendo acolhido, essa verdade ser compartilhada pela fé de todos. Assim cada um é um órgão do corpo e o corpo com órgãos diferentes vai sendo enriquecido na verdade.

A própria democracia moderna, tomada como inquestionável pelo autor, tem-se revelado uma mentira. O poder no mundo pertence a oligarquias empresariais e bancárias cada vez mais exíguas, que controlam todos os países, que estão perdendo a sua soberania, justamente pelo instrumento da democracia. Os meios de comunicação social, dominados pelo capital internacional apátrida, vão impondo modelos de comportamento e pensamento e, um deles, é justamente a canonização da democracia de sufrágio universal. Nosso Brasil, por exemplo, nunca foi tão “entregue” ao capitalismo financeiro internacional, contra o sentimento e a vontade popular, como após a “democratização” e as “diretas já”. Veja Collor, Fernando Henrique e Lula, a privatização – internacionalização – de nossas indústrias públicas, o silêncio dos meios de comunicação e a conivência das autoridades eleitas sobre a internacionalização da Amazônia, corrupção crescente e espoliação da coisa pública.

Querer trazer esse modelo massificante e despersonalizante para dentro da Igreja, é fazer da Igreja discípula de um mundo pecador e corrupto, ao invés de sal da terra e luz do mundo. Se há pecados no clero – carreirismo e busca de poder político, por exemplo – isto não inviabiliza a verdade, de que o clero não é só um ministério – um serviço – mas um carisma, uma vocação, que, essa sim, nem sempre é bem discernida, e muitos utilizam o ministério para buscarem poder.

O autor utiliza a categoria da liberdade de consciência para afirmar uma “soberania dialógica da consciência”. Dada a demanda por uma lei moral que oriente a consciência, abre-se o campo para uns poucos arrogarem-se em intérpretes da “vontade do povo”, criando uma permanente incerteza e, aí sim, uma busca desenfreada de poder. Seria o resultado da Igreja copiar o modelo iluminista de democracia. Ou então, como coloca o autor, ao longo de seu artigo, cada um pode seguir o ditame da consciência “soberana” e aí estabelece-se a dúvida e a discussão, o relativismo, o “cada qual faça o que quiser”, em assuntos, como o dos métodos naturais, que acossam a consciência, que busca clareza e verdade.

A Igreja não pode pensar o laicato como uma instância de poder como um todo. Como também o clero, como um todo, não deve ser uma instância de poder. Cada cristão tem o poder que o seu carisma requer. Um leigo, como Bento de Núrsia, Francisco de Assis, Catarina de Sena, Jacques Maritain, uma religiosa como Madre Teresa, tiveram muito mais poder na Igreja que muitos bispos. Isto porque colocaram seus carismas a serviço e não porque reivindicaram poder para si. Cada leigo, sim, pode ser profeta e santo, mas esse profetismo será submetido à prova do Magistério e da história. O “laicato”, considerado como um todo, sempre exigiria um intérprete de sua voz. Quem seria?

E quem é o laicato da Igreja? Os que freqüentam as missas? Os que se engajam nas comunidades em diversos ministérios? Todos os batizados? Quantos batizados não dão a menor importância à fé batismal e vivem segundo outras bases, embora com os lábios professem o credo?

Tendo em vista que os pressupostos básicos do autor são falazes, abstemo-nos de analisar todo o tratamento que dá à questão dos métodos naturais de contracepção. Concordamos que a questão da paternidade/maternidade responsável transcende em muito a simples utilização de métodos naturais. Mas estes e os métodos artificiais de contracepção constituem, por si sós, um problema moral a ser resolvido. Com que bases? De uma situação contingente como a de certos trabalhadores, como quer o autor? Ou numa consideração do significado intrínseco da sexualidade, da genitalidade e do amor humano?

Padre Afonso Henriques Salgado Chrispim

Mestre em Teologia Moral

afonsochrispim@yahoo.com.br

Respeitar a fama e a honra do próximo

Respeitar a fama e a honra do próximo

São Tomás trata deste assunto dentro do seu tratado sobre a virtude cardeal da justiça, na sua Suma Teológica. Nesse tratado da justiça, Santo Tomás propõe quatro gêneros de bens que a virtude da justiça manda respeitar no próximo:

Respeitar sua vida – aqui se trata do homicídio e de tudo o que se refere ao quinto mandamento do decálogo.

Respeitar seu corpo – aqui se trata da luxúria e de tudo que se refere ao sexto e ao nono mandamentos.

Respeitar suas propriedades – aqui se trata do direito, dos domínios, dos contratos, e restituições, correspondendo a tudo o que se refere ao sétimo e ao décimo mandamentos.

Respeitar sua fama e sua honra – Trata-se aqui da veracidade de tudo o que se comunica e de tudo o que se refere ao oitavo mandamento.

A veracidade

A verdade é a realidade das coisas. Do ponto de vista filosófico, porém, pode-se distinguir três classes da verdade:

A Verdade ontológica ou metafísica – consiste na conformidade das coisas com o pensar divino, que as criou. As coisas são em si mesmas tal como o entendimento divino as conhece desde toda eternidade.

A Verdade lógica ou formal – consiste na conformidade do entendimento humano com a coisa conhecida. Quando o entendimento humano conhece as coisas tal como são na sua realidade ontológica possui a verdade; se não incorre em erro.

A Verdade moral – consiste na conformidade da palavra com a idéia de quem fala, ou seja, a expressão sincera do que a pessoa sente em seu interior.

A filosofia idealista, da qual é máximo representante Emanuel Kant, nega que o entendimento humano possa ter certeza da conformidade de seu conhecimento das coisas com o entendimento divino. Não nega que haja uma verdade ontológica acerca das coisas, mas nega a possibilidade da verdade lógica. A verdade cognoscível pelo homem não é “da coisa”, mas do homem; ele pode saber o que a coisa é “para a pessoa”, não o que a coisa é “em si”.

A filosofia grega, platônica ou aristotélica, e a filosofia cristã, especialmente a escolástica, tomista, baseia-se nesse conhecimento lógico: as coisas podem ser conhecidas “em si mesmas”.

Quanto à virtude da veracidade apenas, interessa principalmente a verdade moral. Mas à Teologia Moral em geral não devemos dizer como às vezes, precipitadamente se diz, que sempre só interessa a verdade lógica, deixando a verdade lógica para a Teologia dogmática ou a Teoria do Conhecimento. Sendo a Teologia Moral a reflexão sobre o agir do cristão, um agir que define o seu ser, um agir que o leva à comunhão divina, que é o seu fim último, devemos perceber que uma das primeiras virtudes que aproximam todo ser humano de Deus é a busca da verdade lógica sobre Deus, a vida humana e o universo. Jo 18,37: Todo o que é da verdade escuta a minha voz. Todos devemos ser discípulos da verdade.