sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A Verdade que está na Bíblia

A Verdade que está nas Sagradas Escrituras

“Pilatos entrou no pretório, chamou Jesus e perguntou-lhe: És tu o rei dos judeus? Jesus respondeu: Dizes isso por ti mesmo, ou foram outros que to disseram de mim? Disse Pilatos: Acaso sou eu judeu? A tua nação e os sumos sacerdotes entregaram-te a mim. Que fizeste? Respondeu Jesus: O meu Reino não é deste mundo. Se o meu Reino fosse deste mundo, os meus súditos certamente teriam pelejado para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu Reino não é deste mundo. Perguntou-lhe então Pilatos: És, portanto, rei? Respondeu Jesus: ‘Sim, eu sou rei. É para dar testemunho da verdade que nasci e vim ao mundo. Todo o que é da verdade ouve a minha voz’. Disse-lhe Pilatos: Que é a verdade?...” (João 18,33-38a).

Pilatos não ficou com Jesus para ouvir a resposta de sua indagação: “Que é a Verdade?”. Talvez Jesus dissesse como disse aos seus discípulos: “Eu sou a Verdade”. Mas para Jesus Cristo ser a Verdade esta se expressa no seu modo de ser.

Jesus Cristo vive a Verdade de três modos:

a) Ele vive a vida divina e seu relacionamento com o Pai vivendo a vida humana;

b) Ele não se faz carente de absolutamente nada nesta terra. De nenhuma pessoa, nem mesmo de Sua Mãe santíssima, de nenhuma glória, de nenhuma fama, de nenhum bem material, de absolutamente nada. Mesmo de seus milagres, Ele pede aos miraculados que não falem a ninguém a respeito do milagre. “Aproximou-se dele um leproso, suplicando-lhe de joelhos: Se queres, podes limpar-me. Jesus compadeceu-se dele, estendeu a mão, tocou-o e lhe disse: Eu quero, sê curado. E imediatamente desapareceu dele a lepra e foi purificado. Jesus o despediu imediatamente com esta severa admoestação: Vê que não o digas a ninguém; mas vai, mostra-te ao sacerdote e apresenta, pela tua purificação, a oferenda prescrita por Moisés para lhe servir de testemunho. Este homem, porém, logo que se foi, começou a propagar e divulgar o acontecido, de modo que Jesus não podia entrar publicamente numa cidade. Conservava-se fora, nos lugares despovoados; e de toda parte vinham ter com ele” (Marcos 1,40-45).

c) Jesus Cristo não vive no Paraíso, aliás está sempre cercado de adversários. Mas vive como se estivesse no Paraíso. Antes do pecado original e de sua expulsão do Paraíso, Adão e Eva viviam diretamente da graça de Deus e tudo o que recebiam sabiam que era graça direta de Deus, que os mantinha. Assim vive Jesus: diretamente do Pai que é seu alimento, sua razão de ser e sua Vida. “Entretanto, os discípulos lhe pediam: Mestre, come. Mas ele lhes disse: Tenho um alimento para comer que vós não conheceis. Os discípulos perguntavam uns aos outros: Alguém lhe teria trazido de comer? Disse-lhes Jesus: Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e cumprir a sua obra” (João 4,31-34). “Disse-lhe Filipe: Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta. Respondeu Jesus: Há tanto tempo que estou convosco e não me conheceste, Filipe! Aquele que me viu, viu também o Pai. Como, pois, dizes: Mostra-nos o Pai... Não credes que estou no Pai, e que o Pai está em mim? As palavras que vos digo não as digo de mim mesmo; mas o Pai, que permanece em mim, é que realiza as suas próprias obras” (João 14,8-10). “De manhã, tendo-se levantado muito antes do amanhecer, ele saiu e foi para um lugar deserto, e ali se pôs em oração. Simão e os seus companheiros saíram a procurá-lo. Encontraram-no e disseram-lhe: Todos te procuram. E ele respondeu-lhes: Vamos às aldeias vizinhas, para que eu pregue também lá, pois, para isso é que vim (esta é a vontade de meu Pai)” (Marcos 1,35-38). Como vemos Jesus não se dobra a nenhuma carência, não liga para fama e prestígio.

Após o pecado original e a expulsão do Paraíso da graça de Deus, Adão e Eva começam a viver do fruto do seu trabalho e de sua inteligência. A condenação da serpente é obviamente dirigida à pessoa humana após o pecado: “13. O Senhor Deus disse à mulher: Porque fizeste isso?” “A serpente enganou-me,– respondeu ela – e eu comi. Então o Senhor Deus disse à serpente: “Porque fizeste isso, serás maldita entre todos os animais e feras dos campos; andarás de rastos sobre o teu ventre e comerás o pó todos os dias de tua vida” (Genesis 3,13-14). É obvio que a serpente não tinha patas antes do pecado original. E também: “E disse em seguida ao homem: “Porque ouviste a voz de tua mulher e comeste do fruto da árvore que eu te havia proibido comer, maldita seja a terra por tua causa. Tirarás dela com trabalhos penosos o teu sustento todos os dias de tua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos, e tu comerás a erva da terra. Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de que foste tirado; porque és pó, e pó te hás de tornar” (Geneis 3,17-19). Estas passagens mostram o fracasso da pessoa humana que pretende dar vida a si mesma pelo seu trabalho. Por mais que trabalhe e tenha prestígio, fama e sucesso a vitória sobre a morte só pode vir por graça de Deus, o Criador, que dá à pessoa humana uma vida mortal e uma vida imortal. Isso é expresso na literatura sapiencial de Israel: “Palavras do Eclesiastes, filho de Davi, rei de Jerusalém. Vaidade das vaidades, diz o Eclesiastes, vaidade das vaidades! Tudo é vaidade. Que proveito tira o homem de todo o trabalho com que se afadiga debaixo do sol? Uma geração passa, outra vem; mas a terra sempre subsiste. O sol se levanta, o sol se põe; apressa-se a voltar a seu lugar; em seguida, se levanta de novo. O vento vai em direção ao sul, vai em direção ao norte, volteia e gira nos mesmos circuitos. Todos os rios se dirigem para o mar, e o mar não transborda. Em direção ao mar, para onde correm os rios, eles continuam a correr. Todas as coisas se afadigam, mais do que se pode dizer. A vista não se farta de ver, o ouvido nunca se sacia de ouvir. O que foi é o que será: o que acontece é o que há de acontecer. Não há nada de novo debaixo do sol” (Eclesiastes 1,1-9) .

A grande parábola do fracasso dos esforços humanos é o relato da Torre de Babel: “Toda a terra tinha uma só língua, e servia-se das mesmas palavras. Alguns homens, partindo para o oriente, encontraram na terra de Senaar uma planície onde se estabeleceram. E disseram uns aos outros: “Vamos, façamos tijolos e cozamo-los no fogo.” Serviram-se de tijolos em vez de pedras, e de betume em lugar de argamassa. Depois disseram: ‘Vamos, façamos para nós uma cidade e uma torre cujo cimo atinja os céus. Tornemos assim célebre o nosso nome, para que não sejamos dispersos pela face de toda a terra’. Mas o senhor desceu para ver a cidade e a torre que construíram os filhos dos homens. ‘Eis que são um só povo, disse ele, e falam uma só língua: se começam assim, nada futuramente os impedirá de executarem todos os seus empreendimentos. Vamos: desçamos para lhes confundir a linguagem, de sorte que já não se compreendam um ao outro’. Foi dali que o Senhor os dispersou daquele lugar pela face de toda a terra, e cessaram a construção da cidade. Por isso deram-lhe o nome de Babel, porque ali o Senhor confundiu a linguagem de todos os habitantes da terra, e dali os dispersou sobre a face de toda a terra” (Genesis 11,1-9). As pessoas queriam atingir os céus pelo seu orgulho e inteligência. Acontece que os projetos humanos falham quando se baseiam no orgulho e vem daí a confusão das línguas que não precisam ser idiomas diferentes, como sugere o relato. No orgulho, num mesmo idioma as pessoas se desentendem. Jesus se refere a esta passagem quando diz: “Quem de vós, querendo fazer uma construção, antes não se senta para calcular os gastos que são necessários, a fim de ver se tem com que acabá-la? Para que, depois que tiver lançado os alicerces e não puder acabá-la, todos os que o virem não comecem a zombar dele, dizendo: Este homem principiou a edificar, mas não pode terminar” (Lucas 14,28-30). Jesus Cristo denuncia que os esforços humanos não realizam as aspirações humanas sem a graça de Deus. Só Deus pode realizar os anseios mais profundos da alma humana.

Se, pois, vos disserem: Vinde, ele está no deserto, não saiais. Ou: Lá está ele em casa, não o creiais. Porque, como o relâmpago parte do oriente e ilumina até o ocidente, assim será a volta do Filho do Homem. Onde houver um cadáver, aí se ajuntarão os abutres. Logo após estes dias de tribulação, o sol escurecerá, a lua não terá claridade, cairão do céu as estrelas e as potências dos céus serão abaladas. Então aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem. Todas as tribos da terra baterão no peito e verão o Filho do Homem vir sobre as nuvens do céu cercado de glória e de majestade. Ele enviará seus anjos com estridentes trombetas, e juntarão seus escolhidos dos quatro ventos, duma extremidade do céu à outra” (Mateus 24,26-31). É evidente que as estrelas não poderão cair do céu. Cada estrela sozinha é maior que a terra e não haveria espaço nem para duas estrelas. Podemos então perceber que se o sol escurecerá e a lua não terá mais claridade será por causa das poluições criadas pela inteligência do homem. Nenhuma descoberta científica serve somente para o bem, mas conforme o pecado humano tudo pode ser usado para o mal também. Hoje se usa a ciência para provocar abortos e muitos que sofrem de doenças morrem não somente das doenças, mas dos dolorosos tratamentos para algumas dessas doenças. Então quando os frutos da inteligência humana mostrarem o seu poder de morte o Senhor Jesus Cristo virá para salvar os seus eleitos, que não deverão temer. “Quando começarem a acontecer estas coisas, reanimai-vos e levantai as vossas cabeças; porque se aproxima a vossa libertação” (Lc 21,28).

Então, a Verdade básica que está em todas as Sagradas Escrituras é que somente Deus pode dar vida eterna à pessoa que Ele criou por seu amor e todo recurso humano às criaturas, suas posses, o fruto do seu trabalho, seus sucessos, nada disso é capaz de satisfazer os seus anseios mais profundos. A pessoa humana anseia por vida plena. “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio junto de Deus. Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito. Nele havia a vida, e a vida era a luz dos homens. A luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam” (João 1,1-5). A vida era a luz dos homens. Todo o esforço humano é para alcançar vida mais plena. Mas esta só lhe poderá ser dada por seu Criador. Nenhuma criatura tem o poder de conferir vida mais plena para a pessoa humana criada à imagem do Seu Criador. Só Deus mesmo o pode.

É também por estas razões que Jesus Cristo afirma que quem não renunciar a si mesmo e não aceitar a realidade com suas cruzes todos os dias (a Verdade é a Realidade) e não renunciar a tudo o que possui não pode ser seu discípulo.

Em seguida, Jesus disse a seus discípulos: Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me. Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas aquele que tiver sacrificado a sua vida por minha causa, recobrá-la-á. Que servirá a um homem ganhar o mundo inteiro, se vem a prejudicar a sua vida? Ou que dará um homem em troca de sua vida?... Porque o Filho do Homem há de vir na glória de seu Pai com seus anjos, e então recompensará a cada um segundo suas obras” (Mateus 16,24-27).

Tendo ele saído para se pôr a caminho, veio alguém correndo e, dobrando os joelhos diante dele, suplicou-lhe: Bom Mestre, que farei para alcançar a vida eterna? Jesus disse-lhe: Por que me chamas bom? Só Deus é bom. Conheces os mandamentos: não mates; não cometas adultério; não furtes; não digas falso testemunho; não cometas fraudes; honra pai e mãe. Ele respondeu-lhe: Mestre, tudo isto tenho observado desde a minha mocidade. Jesus fixou nele o olhar, amou-o e disse-lhe: Uma só coisa te falta; vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me. Ele entristeceu-se com estas palavras e foi-se todo abatido, porque possuía muitos bens” (Marcos 10,17-22). Nesta passagem Jesus afirma que só Deus é bom, ou seja só Ele sacia os anseios do coração da pessoa humana. Só Ele é completamente bom para a pessoa humana. E diz à pessoa para se desprender de seus bens, o que ela não consegue, colocando seus bens acima da vida eterna, que foi o motivo pelo qual ele se aproximou de Jesus Cristo. “Assim, pois, qualquer um de vós que não renuncia a tudo o que possui não pode ser meu discípulo” (Lc 14,33). Essa renúncia é a mostra de que todo o coração da pessoa humana deve pertencer somente a Deus. Só Deus pode satisfazer os anseios de vida plena e eterna da pessoa humana e dar-lhe a vitória sobre a morte. Esta é a Verdade básica das Sagradas Escrituras.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Teologia Moral da Vida

Teologia Moral da Vida

A vida é a categoria básica da Revelação. Deus é o Vivente, O Deus vivo, como aparece em pelo menos 20 passagens do Antigo Testamento e 14 do Novo Testamento. Toda vida humana é uma participação na vida divina. A vida humana na terra é “um sopro” de Deus (cf. Gn 2,7). E a vida eterna da pessoa humana é a comunhão da vida das Pessoas da Santíssima Trindade.

1Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que não der fruto em mim, ele o cortará; 2e podará todo o que der fruto, para que produza mais fruto. 3Vós já estais puros pela palavra que vos tenho anunciado. 4Permanecei em mim e eu permanecerei em vós. O ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira. Assim também vós: não podeis tampouco dar fruto, se não permanecerdes em mim. 5Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanecer em mim e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer. 6Se alguém não permanecer em mim será lançado fora, como o ramo. Ele secará e hão de ajuntá-lo e lançá-lo ao fogo, e queimar-se-á” (Jo 15,1-6).

A alegoria da videira ilustra a participação da pessoa humana na vida da Santíssima Trindade, pela comunhão, realizada pelo Espírito Santo, princípio da unidade das Pessoas Divinas, com a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o Filho que Se fez carne humana (cf. Jo 1,14).

Deus é uma Comunhão de Três Pessoas, realizada pelo Espírito Santo. A humanidade é uma comunhão de muitíssimas pessoas, realizada pela carne, pela herança carnal (cf. Gn 2,24). O Filho, que participava eternamente da Comunhão Divina, Se encarnou, assumiu a natureza humana, entrando na comunhão humana também. Tornou-se o “Caminho” o elo de união entre as comunhões divina e humana. A Comunhão Divina tem a vida em si. A comunhão humana tem apenas um sopro de vida. Na medida em que cada pessoa humana acolhe o Espírito Santo e entra em Comunhão com o Filho – representada na alegoria de João 15 pelo ramo que permanece na Videira, que é o Filho de Deus – alcança a Vida Divina e Eterna, entra na Comunhão Divina no Filho, pelo Espírito Santo. O Pai é o “agricultor”, que enviou o Filho e, pelo Filho, o Espírito Santo, o que “plantou a Videira” da Vida no meio da comunhão humana. A Palavra acolhida nos purifica (cf. Jo 15,3) e o Filho é a Palavra (cf. Jo 1,1-4; Pr 8,22-31). “Dar fruto” é equivalente a viver o amor divino. Este amor é Vivo e se aniquila permanentemente a si mesmo para transmitir vida. Quem permanece na videira, Deus permanece nele (cf. Jo 15,4) e realiza nele a Sua obra. A obra de Deus é a geração da vida pela doação de si mesmo (cf. Fl 2,5-8). “Dar fruto” é então viver a dinâmica básica da vida cristã: “De graça recebestes (a vida), de graça daí (a vida)” (Mt 10,8).

A vida cristã, na sua própria essência é uma páscoa, um dar a vida (morrer dando-se), gerando mais vida, para viver eternamente em Deus. Então matar, deixar morrer e tudo o que não promove e desenvolve a vida está contra a vida cristã e separa a pessoa de Deus.

Por que a pessoa humana não promove sempre a vida? Mais uma vez, por causa do pecado original. A revelação cristã nos ensina que Deus é um amor que Se entrega, Se esvazia de Si, que “morre” para transmitir a vida e entrar em comunhão com a nova vida que só permanecerá nessa comunhão de vida com o próprio Deus. A pessoa humana só viverá nessa dinâmica do Amor Divino. Dando também a sua vida. Mas a pessoa, pelo pecado original, desconhece o Deus Verdadeiro, que é esse Amor, e imagina Deus apenas como um ser que é poderoso e auto-suficiente. E deseja “ser como Deus” (cf. Gn 3,5), acumular poder e auto-suficiência. Para tal, entra em concorrência, não em comunhão com as outras pessoas e pensa ter vida na eliminação, na morte da outra pessoa e não na comunhão com ela, não dando a vida por ela. Esta é a origem de toda violência contra a vida no âmbito da humanidade: a ânsia de viver em plenitude, mas desconhecendo a verdadeira natureza da vida. O mundo sofre, as vidas são ceifadas, porque as pessoas querem ser felizes, numa felicidade sem sabedoria divina, mas apoiada no ter as coisas, na sede de poder e na ambição de alcançar a vida pela própria força e não receber como graça divina.

Crítica a Artigo de Vida Pastoral - Paulus

Considerações sobre o artigo

Da Tutela Moral à Soberania Dialógica da Consciência

Fábio Régio Bento

Publicado em Vida Pastoral 248 – maio-junho 2006 – p. 19-24.

O ser humano busca felicidade, plenitude de vida, e nessa busca se autotranscende. Inventa coisas que lhe tornam a vida menos penosa. Assim domina o fogo, inventa a roda, a máquina, a telecomunicação, dominando cada vez mais a matéria e retirando dela recursos inusitados. Na mesma busca, porém, escraviza o seu próximo, guerreia, saqueia, e mata. Tanto desenvolvendo valores positivos quanto negativos, o instrumento que determina a ação do homem em busca de felicidade é a busca de poder. Ao homem parece que a felicidade e a plenitude de sua vida está em ampliar o seu poder sobre a natureza e o seu semelhante. Assim vai o homem em busca de poder e nessa busca vai aumentando sempre a opressão que pesa sobre si. A redenção que os homens esperam é sempre de um Messias poderoso, um filho de Davi que reine numa Jerusalém terrestre e estabeleça a vida plena sobre a terra. Dizem, uma sociedade justa e fraterna sobre a terra. Mas essa “sociedade justa e fraterna” não agrada aos homens em sua sede de poder. A menos que haja uma conversão e o homem não busque mais o poder. Quando o ser humano está sentindo-se oprimido deseja a justiça e a fraternidade. Quando alcança poder acha muito bom estar acima de seu semelhante, “protegendo-o”, “liderando-o”, etc... O Messias verdadeiro rejeitou as propostas de poder que lhe fez Satanás no deserto e o povo, após a multiplicação dos pães. O verdadeiro Messias, que é o próprio Caminho e Vida Plena, não buscou o poder, mas resolveu o dilema da humanidade – buscar felicidade adquirindo poder e terminar sendo oprimida por esse mesmo poder – tornando-se escravo, aniquilando-se até à morte e morte na Cruz. Só então o poder lhe foi dado pelo Pai, não conquistado por sua humanidade. O Pai lhe deu o Nome que está acima de todo nome e todo o poder no Céu e na terra.

Toda busca de poder do homem sobre a terra está marcada pelo pecado – o homem querer ter em si mesmo, sob seu controle, a Vida – e a Verdade está em que só Deus tudo criou e mantém, e o homem só pode ter legítimo poder se lhe é dado do Alto. E este só lhe é dado, como a Jesus Cristo se o homem renuncia a toda conquista ou afirmação de poder.

Dentro do Cristianismo é muito freqüente as pessoas honrarem externamente o Crucifixo, mas adorarem o que o Messias não foi: um rei de justiça nesse mundo mortal. Fazem ladainhas ao Cristo crucificado e acreditam em “construir uma sociedade justa e fraterna” neste mundo mortal. Afirmamos: o Reino de Cristo não é deste mundo, o seu poder sobre este mundo só se manifestará plenamente na Parusia. Até lá satanás terá poder e a mentira e o engano estarão poderosos neste mundo. Enquanto houver a morte, só o Espírito de Cristo, que nos leva a aceitar voluntariamente a morte – participar da Cruz do Senhor –, dando nossa vida pelos outros e não afirmando-a – o que leva à busca de poder – é que nos liberta do poder de satanás. A Missão da Igreja é convidar as pessoas a participar desse Reino escatológico. Os sinais do Reino que já se fizerem visíveis por causa da liberdade dos que renunciaram à busca de poder vivendo o Evangelho, são um testemunho e um acréscimo concedidos pelo Senhor e não um fim em si mesmo, e muito menos o Reino de Deus.

O artigo de Fábio Régio Bento está todo calcado na idéia de disputa humana de poder. Mesmo que quando apela para o caráter batismal do leigo pareça apoiar-se numa ordenação divina. Quer mostrar que pelo caráter batismal o laicado tem poder para estabelecer regras morais na Igreja. e que se o clero se arroga o poder de estabelecer regras morais é devido ao “clericalismo”, é uma usurpação e concentração de poder nas mãos de poucos.

Começa afirmando que todo o poder vem do povo e que não há problema algum quando se afirma que todo o poder vem de Deus. Coloca a questão de se o poder vem de Deus por meio do clero, como se pensava, ou por meio do povo. Apela para a Lumen Gentium 32 e a Dignitatis Humanae 3 para afirmar a igualdade fundamental e a liberdade de consciência moral de todos os batizados. Interpreta-os de forma individualista, como os protestantes, como se Deus fosse obrigado a dar a mesma lucidez à consciência moral de cada cristão – o que é semelhante à doutrina do livre-exame, protestante.

Não dispensa-se de afirmar: a Igreja do Vaticano II se autocompreende como Igreja povo de Deus. E inicia seu artigo trazendo concepções absolutamente estranhas à Revelação, tiradas da revolução francesa e da Constituição brasileira, acerca da concepção moderna de “povo”.

O autor esquece que a Igreja é também um corpo, o Corpo de Cristo. E esquece a natureza carismática da Igreja. De que se todos os batizados participam do múnus régio, profético e sacerdotal de Cristo, participam em graus diferentes segundo os carismas que cada membro recebe para a edificação de todo o corpo. Não é do povo que emana o poder, mas de Deus e o “para-quedas” que tal poder usa para chegar à terra – para utilizar a expressão do próprio autor – é o carisma que Deus dá a cada um em sua liberdade divina e não o “povo” como um todo. Assim, Deus pode, através de determinados leigos, iluminar a sua Igreja, mas cabe ao Papa ou ao Magistério autêntico que nele tem sua autoridade, confirmar essa iluminação discernindo a autenticidade desse carisma. E isso não é clericalismo, porque não é afirmado que qualquer padre ou bispo pode estabelecer normas morais. E nisto, todo bispo ou padre é igual a todo leigo.

A afirmação do “povo” como instância de poder é despersonalizante e massificante. Deus se revela sempre a pessoas particulares em favor de todo o corpo, mas não ao corpo como um todo. Alguém é testemunha de uma determinada verdade para, anunciando e sendo acolhido, essa verdade ser compartilhada pela fé de todos. Assim cada um é um órgão do corpo e o corpo com órgãos diferentes vai sendo enriquecido na verdade.

A própria democracia moderna, tomada como inquestionável pelo autor, tem-se revelado uma mentira. O poder no mundo pertence a oligarquias empresariais e bancárias cada vez mais exíguas, que controlam todos os países, que estão perdendo a sua soberania, justamente pelo instrumento da democracia. Os meios de comunicação social, dominados pelo capital internacional apátrida, vão impondo modelos de comportamento e pensamento e, um deles, é justamente a canonização da democracia de sufrágio universal. Nosso Brasil, por exemplo, nunca foi tão “entregue” ao capitalismo financeiro internacional, contra o sentimento e a vontade popular, como após a “democratização” e as “diretas já”. Veja Collor, Fernando Henrique e Lula, a privatização – internacionalização – de nossas indústrias públicas, o silêncio dos meios de comunicação e a conivência das autoridades eleitas sobre a internacionalização da Amazônia, corrupção crescente e espoliação da coisa pública.

Querer trazer esse modelo massificante e despersonalizante para dentro da Igreja, é fazer da Igreja discípula de um mundo pecador e corrupto, ao invés de sal da terra e luz do mundo. Se há pecados no clero – carreirismo e busca de poder político, por exemplo – isto não inviabiliza a verdade, de que o clero não é só um ministério – um serviço – mas um carisma, uma vocação, que, essa sim, nem sempre é bem discernida, e muitos utilizam o ministério para buscarem poder.

O autor utiliza a categoria da liberdade de consciência para afirmar uma “soberania dialógica da consciência”. Dada a demanda por uma lei moral que oriente a consciência, abre-se o campo para uns poucos arrogarem-se em intérpretes da “vontade do povo”, criando uma permanente incerteza e, aí sim, uma busca desenfreada de poder. Seria o resultado da Igreja copiar o modelo iluminista de democracia. Ou então, como coloca o autor, ao longo de seu artigo, cada um pode seguir o ditame da consciência “soberana” e aí estabelece-se a dúvida e a discussão, o relativismo, o “cada qual faça o que quiser”, em assuntos, como o dos métodos naturais, que acossam a consciência, que busca clareza e verdade.

A Igreja não pode pensar o laicato como uma instância de poder como um todo. Como também o clero, como um todo, não deve ser uma instância de poder. Cada cristão tem o poder que o seu carisma requer. Um leigo, como Bento de Núrsia, Francisco de Assis, Catarina de Sena, Jacques Maritain, uma religiosa como Madre Teresa, tiveram muito mais poder na Igreja que muitos bispos. Isto porque colocaram seus carismas a serviço e não porque reivindicaram poder para si. Cada leigo, sim, pode ser profeta e santo, mas esse profetismo será submetido à prova do Magistério e da história. O “laicato”, considerado como um todo, sempre exigiria um intérprete de sua voz. Quem seria?

E quem é o laicato da Igreja? Os que freqüentam as missas? Os que se engajam nas comunidades em diversos ministérios? Todos os batizados? Quantos batizados não dão a menor importância à fé batismal e vivem segundo outras bases, embora com os lábios professem o credo?

Tendo em vista que os pressupostos básicos do autor são falazes, abstemo-nos de analisar todo o tratamento que dá à questão dos métodos naturais de contracepção. Concordamos que a questão da paternidade/maternidade responsável transcende em muito a simples utilização de métodos naturais. Mas estes e os métodos artificiais de contracepção constituem, por si sós, um problema moral a ser resolvido. Com que bases? De uma situação contingente como a de certos trabalhadores, como quer o autor? Ou numa consideração do significado intrínseco da sexualidade, da genitalidade e do amor humano?

Padre Afonso Henriques Salgado Chrispim

Mestre em Teologia Moral

afonsochrispim@yahoo.com.br

Respeitar a fama e a honra do próximo

Respeitar a fama e a honra do próximo

São Tomás trata deste assunto dentro do seu tratado sobre a virtude cardeal da justiça, na sua Suma Teológica. Nesse tratado da justiça, Santo Tomás propõe quatro gêneros de bens que a virtude da justiça manda respeitar no próximo:

Respeitar sua vida – aqui se trata do homicídio e de tudo o que se refere ao quinto mandamento do decálogo.

Respeitar seu corpo – aqui se trata da luxúria e de tudo que se refere ao sexto e ao nono mandamentos.

Respeitar suas propriedades – aqui se trata do direito, dos domínios, dos contratos, e restituições, correspondendo a tudo o que se refere ao sétimo e ao décimo mandamentos.

Respeitar sua fama e sua honra – Trata-se aqui da veracidade de tudo o que se comunica e de tudo o que se refere ao oitavo mandamento.

A veracidade

A verdade é a realidade das coisas. Do ponto de vista filosófico, porém, pode-se distinguir três classes da verdade:

A Verdade ontológica ou metafísica – consiste na conformidade das coisas com o pensar divino, que as criou. As coisas são em si mesmas tal como o entendimento divino as conhece desde toda eternidade.

A Verdade lógica ou formal – consiste na conformidade do entendimento humano com a coisa conhecida. Quando o entendimento humano conhece as coisas tal como são na sua realidade ontológica possui a verdade; se não incorre em erro.

A Verdade moral – consiste na conformidade da palavra com a idéia de quem fala, ou seja, a expressão sincera do que a pessoa sente em seu interior.

A filosofia idealista, da qual é máximo representante Emanuel Kant, nega que o entendimento humano possa ter certeza da conformidade de seu conhecimento das coisas com o entendimento divino. Não nega que haja uma verdade ontológica acerca das coisas, mas nega a possibilidade da verdade lógica. A verdade cognoscível pelo homem não é “da coisa”, mas do homem; ele pode saber o que a coisa é “para a pessoa”, não o que a coisa é “em si”.

A filosofia grega, platônica ou aristotélica, e a filosofia cristã, especialmente a escolástica, tomista, baseia-se nesse conhecimento lógico: as coisas podem ser conhecidas “em si mesmas”.

Quanto à virtude da veracidade apenas, interessa principalmente a verdade moral. Mas à Teologia Moral em geral não devemos dizer como às vezes, precipitadamente se diz, que sempre só interessa a verdade lógica, deixando a verdade lógica para a Teologia dogmática ou a Teoria do Conhecimento. Sendo a Teologia Moral a reflexão sobre o agir do cristão, um agir que define o seu ser, um agir que o leva à comunhão divina, que é o seu fim último, devemos perceber que uma das primeiras virtudes que aproximam todo ser humano de Deus é a busca da verdade lógica sobre Deus, a vida humana e o universo. Jo 18,37: Todo o que é da verdade escuta a minha voz. Todos devemos ser discípulos da verdade.

sábado, 6 de junho de 2009

O Imanentismo

O imanentismo e as necessidades humanas

1. O Imanentismo atual, a Igreja ‘que serve’ e o círculo fechado das necessidades dos mortais

A Teologia Moral estuda a ação humana segundo a Revelação do Criador em Jesus de Nazaré. Qual é a especificidade do agir cristão? Esta é uma questão fundamental que a Teologia Moral deve responder. Podemos, para chegar a essa resposta, tentar responder a uma outra questão: qual é a especificidade do agir humano livre e racional? Veremos logo que a especificidade do agir humano livre e racional – o agir que interessa à filosofia moral – é agir em vista de um fim articulado racionalmente com a ação por meio de uma idéia.

Se perguntarmos sobre a ação humana em um terreno específico de atividade que é a atividade religiosa, podemos perguntar: por que as pessoas vão à Igreja? Para obter consolações, paz, alívio para o ‘stress’, curas, sucesso, bênçãos etc. Podemos ver que todas essas metas correspondem a necessidades sentidas de uma ou outra forma. O fim que se busca, até no campo religioso é a resposta a necessidades sentidas, a satisfação das necessidades, e o ser humano vai sempre agindo pressionado por uma carência que parece não ter fim. Não só agindo, mas pensando e vivendo num universo que tende para o utilitarismo, para o pragmatismo. Neste caso, as coisas só têm sentido se ‘servem’ à satisfação de uma necessidade percebida. Todo o resto tende a ser desprezado e ignorado, totalmente desvalorizado. Deve-se observar ainda, que as necessidades são percebidas, em boa parte, no nível do relacionamento humano, na comparação entre as pessoas e o que elas têm. Se alguém tem algo mais prático do que o que eu tenho, o que o outro tem passa a ser uma necessidade para mim, mesmo que eu me tenha servido do meu meio até aqui com muito bom proveito.

As necessidades percebidas como reclamando solução imediata são necessidades ligadas à garantia da estabilidade do desfrute da vida humana: conservação do corpo, segurança financeira, aceitação social da pessoa etc. podemos lembrar o prólogo do Evangelho segundo São João:

4Nele havia a vida, e a vida era a luz dos homens. 5A luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam. 9[O Verbo] era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem. 10Estava no mundo e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o reconheceu. 11Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam” (Jo 1,4-5.9-11).

Vemos aqui um desencontro de dois que caminham, um na direção do outro. O homem, nas suas trevas, busca a luz, ameaçado, busca satisfazer as necessidades que sente em vista de garantir a sua vida (v. 4). A Luz, que criou o mundo, e é, também, a Vida, vem ao encontro do homem, mas este, que busca a vida, não A acolhe. Por que não A acolhe?

Para responder a essa pergunta precisamos perceber que a criatura humana tem sede de vida (por isso quer satisfazer suas necessidades) mas coloca a sua busca de vida no nível inferior desta vida mortal. Todos os sonhos humanos são o de tornar esta vida mortal melhor, mas não ousando sair do círculo fechado da mortalidade.

O Verbo, que se fez carne, nosso Senhor Jesus Cristo, trouxe a Vida, Vida real, que não se situa nos limites da mortalidade, mas a supera, e nisso revela a natureza de Deus, que é o Vivente. Deus é Amor que Se doa, relação de Pessoas que vivem para as outras e não para Si mesmas. A vida de Deus na carne humana faz da mortalidade o sinal do amor que se doa e, por isso, sacrifica a sensação de desfrute da vida mortal (que é sempre passageira) em vista de divinizar a vida humana e alcançar a VIDA, no nível superior que é a imortalidade. Não querendo o homem sacrificar a sua sensação de desfrute da vida mortal, a oferta que Deus faz não é aceita pelo homem, pela humanidade como um bloco, mas pode ser aceita por cada pessoa humana em sua liberdade.

“Mas aos que O receberam deu-lhes a capacidade de se tornarem Filhos de Deus” (Jo 1,12). Tal aceitação exige a renúncia ao desfrute da vida mortal como meta de felicidade. Tal renúncia é, ao mesmo tempo, a libertação do homem da necessidade, da obrigatoriedade de satisfazer às necessidades sentidas.

No nível das necessidades, os anseios do homem tendem a levá-lo a fechar-se em si mesmo, a guardar para si, o que leva à não-comunicação com o outro. O homem sente necessidade de comunicar-se, pois isso faz parte de sua natureza, mas essa comunicação lhe custa, é difícil, ameaça o seu desejo de desfrutar a vida mortal e a sua sensação de estabilidade. O acolhimento do Verbo que Se fez carne faz prevalecer a comunicação e sacrifica a estabilidade e o desejo de desfrute.

A humanidade, porém, em suas trevas, não só rejeita o Verbo, não só não recebe o Verbo, mas tenta fazer o Seu Nome servir aos objetivos humanos de mais vida no nível da mortalidade. Os ídolos dos pagãos e as falsas imagens do Deus dos cristãos sempre estão a serviço desses objetivos ao nível da mortalidade. Por isso os judeus querem um messias que seja um vitorioso político e militar e pedem milagres sempre dentro do nível da mortalidade. Até as ‘ressurreições’ de Lázaro, da filha de Jairo e do filho da viúva de Naim, são no nível da mortalidade, pois são reanimações para esta vida mortal. Os gregos querem sabedoria eficaz ao nível da vida terrena mortal. A ciência moderna também é a panacéia, sempre encontrando soluções dentro do nível da vida mortal, da satisfação das necessidades terrenas dos homens. Todos, judeus, gregos e modernos, querem um messias que sirva aos objetivos deles mesmos. Um messias ‘útil’ ao nível da sabedoria mortal. Jesus, porém, não aceita pressões, se ausenta quando querem fazê-Lo rei (cf. Jo 6, 15) e não se deixa manipular. “Nós pregamos Cristo Crucificado, que é escândalo para os judeus e loucura para os pagãos, mas que é sabedoria de Deus” (cf. 1Cor 1,17-25).

A clareza desses conceitos nem sempre está presente na consciência dos cristãos, membros de Jesus Cristo, Jesus Cristo presente realmente no hoje da história. Um dos sinais ou meios pelos quais nos é possível viver a auto-doação divina é justamente a caridade e a compaixão para com o próximo em suas necessidades. “Quem tem duas túnicas dê uma a quem não tem e quem tiver comida faça o mesmo” (cf. Lc 3,11). É um dos sinais mais concretos e compreensíveis pelos homens em suas trevas, fechados em suas carências e necessidades. Para o cristão esclarecido, a doação de sua vida – ao doar coisas deve estar doando a si mesmo (cf. Lc 21,2-4) – no nível das necessidades da vida mortal é um sacramento da vida divina onde será como Deus, uma kenose permanente de Amor.

O mundo moderno, marcado por grandes conquistas no nível das respostas às necessidades humanas (tecnologia moderna em todos os âmbitos de atividade), através da ciência e da tecnologia, passa a prezar cada vez mais a eficiência e a utilidade prática, sempre dentro do nível da necessidade. Tudo deve servir no nível da satisfação das necessidades humanas. Os cristãos querem, por sua vez, anunciar e testemunhar o Amor de Deus, e o canal é a sua caridade, o seu sacrifício de suas próprias necessidades, o que lhes permite suprir a muitas necessidades dos pobres e dos deserdados. O terreno fica, assim, preparado. O mundo vai cobrar que a Igreja seja ‘útil’. Vem, por exemplo, o marxismo, proclamando que a religião, ao apontar para uma vida eterna, que se alcança com o recalque das satisfações desta vida, está servindo à injustiça, à dominação e à exploração dos pobres. Muitos cristãos, perdendo a consciência da transcendência do Reino de Deus e da motivação cristã deixar-se-ão cooptar por esta crítica e com certo complexo de inferioridade – como que colocando a carapuça que o marxista lhe apresenta – passarão a militar no nível político e social sem perspectiva transcendente, nível das necessidades e da luta contra a morte corporal, inevitável, proclamarão que estão “construindo o Reino de Deus”, a verdadeira proclamação do Reino de Deus será sempre mais relativizada e incompreendida e o serviço da caridade ao próximo mudará de sentido.

a) Na lógica evangélica é muito menos importante o que recebe o auxílio para uma necessidade do que aquele que dá. O que recebe o auxílio recebe sempre um dom finito, no nível da vida mortal. O que dá torna-se membro divino, pelo qual o Criador age e, por isso, ‘participa’ do Criador, está em comunhão com Ele. O centro é Jesus, que dá, cura etc. e não os doentes e sofredores que imploram. Da mesma forma, no agir cristão, o centro é o agente, não o receptor. Não se busca, em primeiro lugar satisfazer necessidades, mas divinizar pessoas humanas. Se as necessidades são atendidas por um esquema racional de produção e distribuição de bens, mas não há auto-doação, não há um agir especificamente cristão. A ação cristã distingue-se da eficiência humana (cf. Lc 12,41-44). Na perspectiva das necessidades humanas que estamos examinando, ao invés de ser uma expressão do sujeito que o pratica com a renúncia de si mesmo e, assim, anuncia o Reino dos Céus, o ato de caridade tem a sua expressão no receptor que, tendo suas necessidades mortais satisfeitas, torna-se, para o homem fechado no imanente, sinal de esperança de um mundo futuro no qual todas as necessidades mortais serão satisfeitas, mundo esse identificado erroneamente com o Reino de Deus, que passa a ser “deste mundo” (cf. Jo 18,36).

b) a caridade como serviço de um ou mais sujeitos a um ou mais receptores será identificada com um paliativo, uma ação localizada e pequena, incapaz de realizar uma grande transformação que nos aproxime do ideal do mundo em que todas as necessidades serão satisfeitas. Almejar-se-á, por isso, a uma mudança das estruturas do mundo e, portanto, a uma crescente valorização do poder político – que Jesus Cristo rejeitou – como meio “cristão” de apostolado, ou de “construir o Reino de Deus”, concebido como uma realidade humana, fruto de um esforço humano, o que é evidente heresia.

Mas não só o marxismo, com a sua crítica à religião transcendente, conduz a Igreja a caminhos que não são os de Jesus Cristo. Também o capitalismo e o liberalismo, com suas grandes conquistas na área do bem-estar e sua dinâmica interna que gera “ricos cada vez mais ricos à custa de pobres cada vez mais pobres” conduz a Igreja no mesmo sentido. Os avanços dos meios de bem-estar se tornam sempre novas necessidades – coisas que antes nem existiam passam a ser indispensáveis – fazendo daqueles que não as desfrutam “pobres cada vez mais pobres”. Isso induz também a uma idealização de um suposto mundo igualitário a ser ‘construído’ como sinal indispensável do Reino de Deus. E a Igreja sente-se omissa, no mesmo complexo de inferioridade já mencionado, se esse suposto mundo igualitário não se torna meta de sua missão.

Vai, então, a Igreja por um caminho que Jesus Cristo rejeitou, o caminho em que a Igreja (ou Jesus Cristo mesmo!) tem que “servir para alguma coisa”, tem que ter uma relevância histórica. É uma grande tentação, já multissecular, do Ocidente cristão.

A Igreja não deve deixar-se julgar pelo mundo (cf. 1Cor 4,3), não precisa ‘servir’ para nada, segundo o julgamento do mundo. Assim como a dignidade de uma pessoa humana não depende de ela ‘servir’ para algo, mas de sua própria natureza, a importância da Igreja vem do Alto e não da consideração dos homens, ainda mais condicionados pela miséria do seu imanentismo.

(Pode-se aqui referir o encontro de Dom Bosco com o ministro Urbano Ratazzi, que o convida a fundar uma congregação – a Prefeitura de Lourdes, segundo a película ‘A Canção de Bernadete’ – a purificação do Templo, por Jesus).

Qual é, então, a missão da Igreja?

Jesus não mudou, nem mandou mudar, as estruturas da sociedade de seu tempo. Ao menos de forma direta, como etapa da “construção do Reino de Deus”. Mas viveu e morreu de forma irrelevante para a transformação da história, ao menos segundo os padrões da força política direta, de qualquer capacidade de exercer violência e impor a própria vontade. Assim deve ser a Igreja, seu Corpo (cf. Mc 4,26-29). Anúncio da Palavra, distribuição criteriosa dos sacramentos da graça de Deus em vista da libertação de cada pessoa do nível da necessidade mortal para o nível da imortalidade, que possibilitará a ela o dom-de-si. Esta transformação interna das pessoas segundo o Espírito e o exemplo de Jesus Cristo age como um fermento historicamente imperceptível na massa humana trazendo benefícios de diversas ordens, não só econômicos, mas culturais e espirituais, mais possibilidades de haver mais vida humana e menos destruição da espécie humana, benefícios esses que são conseguidos de modo totalmente alheio à atividade política, ou seja, sem nenhuma colaboração e até contra a oposição do poder político. “Buscai antes o Reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo” (cf. Mt 6,33; Lc 12,31; Cl 3,1).

Após refletir sobre esses elementos, voltemos à questão original: qual á especificidade do agir cristão?

Respondamos: é um agir não condicionado, em primeiro lugar, por nenhuma necessidade ou carência em vista da capacidade de desfrute da vida mortal, mas um agir motivado pela certeza do dom gratuito desta vida e da vida futura e que transmite, no nível desta vida mortal, a própria vida. A natureza da vida cristã não é da ordem deste mundo fechado nos limites da mortalidade, lutando sempre contra uma morte corporal que é implacável. A vida cristã não consiste em satisfazer carências ao nível da mortalidade mas de viver já neste mundo no nível divino da imortalidade (cf. Cl 3,1-3). Esse nível divino se dá pelo esvaziamento de si mesmo e pela conseqüente auto-doação da pessoa.

“Ainda que distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada valeria!” (1Cor 13,3).

“Recebestes de graça, de graça dai!” (Mt 10,8).

Exercícios:

a) mostrar que as pessoas agem pressionadas por uma necessidade;

b) mostrar os valores da amizade, do sacrifício, do amor gratuito, como os que realizam realmente a pessoa humana; a necessidade do desprendimento de si como oposta à sede de satisfação das outras necessidades;

c) de onde surgem as necessidades: do corpo mortal, alimentação, conforto, etc.; da sociedade, que impõe modelos de comportamento e hábitos; das comparações e do medo de não ser aceito por outrem; necessidades artificiais dos supérfluos da tecnologia moderna.

d) aonde leva o desejo de satisfazer as necessidades; aonde levaria a satisfação plena de todas as necessidades terrenas, se é que é possível;

e) a importância da aceitação de si mesmo;

f) a existência de Deus, a Inteligência criadora, a Causa primeira, a entropia do universo.

Em grande parte a necessidade dos homens decorre de sentirem-se dependentes dos juízos dos outros homens. Os fariseus faziam muitas ações “só para serem vistos pelos homens” (cf. Mt 6,1.5;23,5). É uma necessidade de ser valorizado pelos outros. O dinheiro e o ouro só tem poder porque há quem os valorize. Assim, todo poder humano é uma estrutura de troca de apoios segundo um esquema e quem está no topo, no fundo depende de quem o apóia. Qual é a única instância que tem valor em si mesmo, mesmo que ninguém valorize? Que não depende de nenhuma estrutura de significado criada pela mente humana? A Verdade.

2. A primazia do sujeito da ação em relação ao receptor

Na fé cristã deve-se sempre pensar segundo a ordem seguinte: Tudo é para cada pessoa humana considerada e a pessoa humana é para Deus. Destarte, na ação moral o agente é mais importante, sempre, que o receptor da ação. Isto porque o que Deus quis, ao criar o mundo e o ser humano nele à sua imagem foi apenas fazer com que criaturas racionais, criadas à sua imagem, participassem da sua vida divina, no seio da Santíssima Trindade. Assim, o agente, ao agir segundo a razão e a verdade está exercendo uma capacidade divina, está doando-se na ação moral e, assim, o plano de Deus está se realizando nele, ele está “recebendo de graça e dando de graça”, a vida da Trindade está acontecendo nele. Quanto ao receptor, por melhor que seja a ação do agente, este só pode transmitir elementos de vida mortal, não pode criar no outro a vida imortal. Sua doação é uma graça que o receptor só pode divinizar se, por sua vez ele agir, na medida de seus dons, transmitindo graciosamente o que recebeu. Então a importância da doação só atinge seu ápice quando o receptor se torna agente. Até o próprio Deus, ao derramar a Sua graça sobre o homem, se o homem receptor não a acolhe transmitindo por sua vez a graça, torna infrutífera a graça de Deus. Então o que se faz segundo o Espírito de Deus, a ação moral realmente cristã beneficia sempre mais o agente do que o receptor da ação. Por isso, nas comunidades religiosas é comum encontrar em suas regras que o seu fim primário é a santificação de seus membros e só secundariamente a ação caritativa da comunidade segundo seu carisma.

Em vista de que Deus age? Sempre em vista de criar seres capazes de participar de Sua Vida divina e conduzi-los a essa Vida.

Deus ”o Vivente” e é “o que É” (cf. Ex 3,14). Na sua Unidade é “o que É” – tem em Si mesmo toda a sua consistência metafísica – e na sua Trindade Vive, isto é, é relacionamento de Pessoas que não tem em Si mesmas a sua consistência metafísica, mas sim na relação de dom-de-si – Amor – com as outras.

Deus criou seres à Sua Imagem e Semelhança: os seres humanos e os anjos. À semelhança do Deus Uno tem em si mesmos a sua consistência metafísica, isto é, são. À semelhança das Pessoas divinas são pessoas, isto é, tem em sua natureza a vocação de comunicar-se e entrar em comunhão com outras pessoas. Os outros seres vivos que Deus criou, as plantas e os animais, tem também o ser e se relacionam, vivem por uma relação de vida com o meio ambiente que as alimenta e faz delas também alimento para outros seres. Mas não são pessoas porque não participam conscientemente desse processo, não o vivem segundo a liberdade, e, mesmo realizando todo o desígnio divino a seu respeito, não amam. O ser humano é pessoa porque é capaz de livre relacionamento de vida. A vocação do homem é tornar-se divino na relação unificante com a 2.ª Pessoa Divina. Essa relação unificante se dá pela livre doação das Pessoas Divinas. O Pai Se dá ao Homem dando o Seu Filho, e assim amando o homem. O Filho Se dá, encarnando-Se e entrando na unidade da carne humana (cf. Gn 2,24). Ao não proteger sua vida mortal, mas dá-la completamente no serviço aos outros homens e na Sua Paixão, o Filho vive em relação aos homens a mesma relação de dom-de-si absoluto que caracteriza as Pessoas Divinas, ou seja, derrama sobre a carne humana o Espírito Santo, a 3. ª Pessoa da Trindade. Cada Pessoa, acolhendo esse Espírito, dado por graça, torna-se capaz de superar o movimento de auto-preservação da carne humana e de viver o dom-de-si, o Amor, divino. O Filho estabelece assim entre Ele e os homens a mesma relação unificante que existe entre o Pai e Ele próprio, a unidade do Espírito Santo. Isso constituirá a Igreja, o Corpo do Filho, reunindo na unidade os homens que O acolheram.

Deus criou o homem com um ser próprio, distinto do de Deus, para ele poder aderir a Deus livremente, não por uma natureza já divina, como as Pessoas Divinas, o Filho, gerado eternamente do Pai e o Espírito Santo que procede do Pai e do Filho. O homem não é divino porque a sua substância não é a substância única do Deus Uno. É outro ser. Mas é pessoa, para entrar livremente no relacionamento divino. Para entrar no relacionamento divino devem esvaziar-se de si (cf. Fl 2,7) aniquilando o seu ser e afirmando a sua personalidade, a sua relacionalidade, para unificarem o seu ser como o Ser Único de Deus e participarem da comunhão divina, pela participação-comunhão na Pessoa do Filho. Este é o culto em espírito e verdade (cf. Jo 4,20-24; Rm 12,1): aniquilar seu ser mortal para entrar na comunhão do Ser Único de Deus, na comunhão da vida do Pai, pelo Filho, na unidade do Espírito Santo.

Esta foi a missão de Jesus Cristo, que assumiu a nossa natureza mortal para redimir-nos. Aniquilou-Se, fez-Se oferenda para o Pai, na sua humanidade, no Seu Corpo, divinizando-O. Quem com Ele se aniquila torna-se membro do seu Corpo, participa da Sua relação divina com o Pai no Espírito Santo, isto é, se torna santo. A Igreja é o Corpo de Cristo. Por isso, a Igreja é chamada a aniquilar-se também e desse modo divinizar-se. É desse nível a missão da Igreja.

Os homens, criados no ser, para viver plena e eternamente, mas mortais, lutam contra a morte corporal, o que os retém na vida mortal que quereriam eterna; por isso resistem a aniquilar-se na relação de amor-dom-de-si. Querem buscar a afirmação do seu ser na conservação de sua vida mortal e isto os coloca como carentes de uma série de necessidades sentidas: justiça humana, vitória sobre as doenças e a fome etc. que são buscadas como suportes, em si mesmas da vida humana. No nível das necessidades o acento é colocado no efeito da ação e no receptor da ação e não no agente. A pergunta é: para que serve?

A intenção de Deus visa sempre a santificação do agente, isto é, por meio de seus atos a pessoa se aniquila, se oferece, se une a Deus.

A tentação da Igreja é, portanto, querer servir aos objetivos imanentes dos homens, que não são os fins transcendentes de Deus. É querer ser historicamente relevante, na história que os homens escrevem, não percebendo a história de Deus. É colocar o acento no efeito imanente das ações humanas, construir o que é mortal e será destruído pela morte, e não na santificação do agente livre, que permanece para sempre. Assim fazendo a Igreja trai a sua missão; Jesus Cristo só fez a vontade do Pai, e não a do mundo. Afirmou claramente não pertencer a este mundo (cf. Jo 8,23; 17,14.16) e que o seu Reino também não é deste mundo (cf. Jo 18,36).

O mundo criado em função das necessidades da vida mortal é um mundo “virtual”, montado sobre valores criados pelo homem. O dinheiro e o ouro só tem valor porque há quem os valorize. Os títulos de nobreza, de profissão etc. também. Os homens criam uma hierarquia de títulos e poder conforme a capacidade que cada pessoa adquire de satisfazer necessidades suas ou de outrem, segundo o saber, a posse etc., numa palavra, segundo o poder humano que lhe é reconhecido. Esses valores acabam inoculados na pessoa e esta confunde o seu ser com valorações que possui na sociedade, alienando-se da verdade sobre si mesma. Nós somos o que somos diante de Deus, que vê a verdade e é a Verdade. Não somos o que os homens nos consideram presos aos condicionamentos da sua condição mortal e sua sede de satisfazer suas necessidades ‘virtuais’. Por isso Jesus, nos Evangelhos, aconselha a não fazermos as obras “diante dos homens, só para ser vistos por eles”. Há até sacerdotes que prezam muito seus títulos de ‘doutor’… Todo esse mundo dos valores segundo os homens não tem consistência. Jesus Cristo nos diz: “Os chefes das nações as tiranizam. Entre vós não deverá ser assim. Entre vós, o que quiser ser grande seja o servo de todos”. Ou seja, todo o poder e capacidade de uma pessoa deve ser atribuído a Deus como graça recebida para ser transmitida servindo ao próximo, e nunca para a própria segurança e importância (necessidade inata de sentir-se forte e valorizado pelo próximo). A verdade de uma pessoa humana é o seu ‘nada’. Nesse ‘nada’ as obras de Deus são atribuídas a Deus, tudo é graça pura d’Ele, as obras, as ações, são d’Ele e a pessoa humana, na sua liberdade, se faz instrumento dessa ação divina de transmitir sua Vida distribuindo graças. Maria santíssima realiza isso perfeitamente. Nela o Senhor fez maravilhas, porque viu o ‘nada’ de sua serva. Por isso ela é a “cheia de graça”.

O mundo virtual da necessidade é onipresente em nossa mente e em torno a nós. Por exemplo, as comunidades religiosas são muito procuradas por pessoas carentes de afeto, de carinho, inseguras. Muitas vezes, para se inserirem, e por sentimentos de caridade natural, tais pessoas mostram muita disposição para o trabalho, o serviço, e por serem assim dedicadas tais pessoas são tidas por exemplares e santas. Na realidade, porém, o que determina muitas dessas pessoas é sempre a sua carência, a sua dependência de afeto e da aceitação humana, que ‘compram’ com o seu serviço. Os que as julgam santas também são condicionados pelas necessidades que os serviços dessas pessoas satisfazem e o alívio que sentem por se verem servidos. Observa-se a pouca independência e carência dessas pessoas e a fragilidade de sua relação com Deus ao se verificar como sofrem não se conformando com perdas, doenças, dores em geral, ingratidão em relação a esses serviços prestados; por isso, às vezes, são consideradas ‘sensíveis’. Na verdade ainda não superaram o nível das necessidades dos mortais para se abrir ao Espírito Santo imortal, que faz superar quaisquer necessidades pela renúncia absoluta a si mesmos. Ainda não são santas, por mais generosas, prestativas e sensíveis que pareçam.

A missão dos sacerdotes é contribuir para que as pessoas vivam a vida na graça de Deus, como a descrevemos acima. Mas também os sacerdotes estão no nível das necessidades e podem cair na tentação de, ao invés de libertar as pessoas para viver a liberdade evangélica da renúncia e superação do nível das necessidades, criarem máquinas eficientes de pessoas que servem e satisfazem necessidades de outras pessoas também buscando, como mostramos, satisfazer as suas, mas que não chegam nunca a realmente superar suas necessidades e viver livres, segundo a Verdade (cf. Jo 8,32). E essa carência e fraqueza é entendida como sendo ‘humana’ e chega-se a não entender a verdadeira liberdade e esvaziamento de si e achar que é utopia e impossível. Ou seja, os homens, buscando satisfazer suas necessidades criam um mundo ‘virtual’ e acusam a verdade de ser utópica, impossível e não existir. Para eles só existe o que é a fantasia humana. A verdadeira missão da Igreja e do padre é considerada impossível, utópica, inútil. As necessidades são tantas e as cobranças levam muitos a pensar que então a Igreja e os padres devem ser ‘úteis’, devem servir segundo as necessidades humanas e cai-se na tentação de passar a criar também o mundo ‘virtual’ das necessidades humanas. O clero passa então a valorizar mais a atividade política ou profissional do que o sacerdócio e perde sua identidade. Alguns abandonam o sacerdócio, outros continuam oficialmente no ministério mas não sabem mais o que é ser sacerdote católico.

Muitos carismas na Igreja passam da liberdade à necessidade. Ao surgir um carisma, pessoas se libertam, aparecem bons frutos, vem o desejo de continuar o carisma para colher frutos continuamente. Isto leva a estabelecer instituições, como uma ordem religiosa, um instituto ou algo assim. A instituição entra no mundo da necessidade, adquirindo, por exemplo, ao longo do tempo um patrimônio, o que faz aparecer sempre mais necessidades. Perde-se a liberdade inicial e a instituição tende a viver para satisfazer as suas necessidades. Surge o clamor de ‘voltar às origens’. Essa ‘volta às origens’ não significa só ‘atualizar’ o fundador, fazer uma re-leitura do fundador no novo contexto histórico em que se encontra, mas exige uma conversão, uma nova passagem da necessidade à liberdade, o que pode implicar a liquidação do patrimônio da instituição em vista da absoluta liberdade do início do carisma. Por que não?

O diálogo de Jesus Cristo com a mulher samaritana junto ao Poço de Jacó, em Sicar, na Samaria, é particularmente esclarecedor do conflito entre o mundo da verdade e da liberdade e o mundo da necessidade (cf. Jo 4,5-38). A cena se desenrola no mundo da necessidade. Os discípulos de Jesus tinham ido comprar alimentos – denunciando uma das necessidades mais básicas, a necessidade paradigmática que, dominando o homem o afasta dos caminhos de Deus. A primeira fala de Jesus adulto no Evangelho é justamente “Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus” (Mt 4,4; Lc 4,4; Dt 8,3). Jesus está com sede e pede de beber, revelando em sua humanidade o condicionamento humano pela necessidade. Diante da resposta da mulher, fruto das concorrências entre judeus e samaritanos e das dominações do homem sobre a mulher, tudo isso resultado dos condicionamentos que a necessidade deixou na civilização humana, Jesus fala de uma água viva que elimina para sempre a sede, isto é, fala não da satisfação constante da necessidade, perseguida pela ciência humana, mas da superação do nível da necessidade. E diz ainda (v. 14) que quem passa da necessidade para a liberdade torna-se fonte dessa mesma transformação para outros: “a água que eu lhe der virá a ser nele fonte de água, que jorrará até a vida eterna”. Isto traz como conseqüências:

a) a pessoa libertada do nível da necessidade é capaz de satisfazer a necessidade de outros com mais facilidade;

b) a pessoa libertada ainda é capaz de libertar outros do nível da necessidade, o que significa que a pessoa que faz apostolado, que é enviada a libertar os outros da escravidão da carne, do nível da necessidade, deve ela mesma estar libertada sob pena do seu apostolado ser só aparente;

c) a liberdade que alguém goza por receber a ‘água viva’ que Jesus lhe deu já é antecipação da vida eterna, e vai crescendo na pessoa, impelindo-a num impulso crescente em direção à comunhão divina e a vida eterna.

A samaritana, sem entender o sentido simbólico da água viva, pede então da água viva para libertar-se do peso da necessidade (v.15). Jesus volta ao tema da necessidade, que é fruto do pecado original (cf. Gn 3,16b) que faz a mulher carente e dominada pelo marido. A mulher é conduzida por Jesus em direção ao mundo da verdade e da liberdade pelo reconhecimento e aceitação da miséria de sua condição. Confessa seus cinco maridos e seu concubinato. Jesus confirma que é verdade que ela não tem marido (v.17). Aquilo que satisfaz nossa necessidade não entra em comunhão conosco. A mulher não tem marido. “Ter marido” é ter uma relação de amor gratuito, livre e verdadeiro, que leva à comunhão de vida (cf. Gn 2, 22-24). A mulher, representando a humanidade inteira, não tem marido, não vive a comunhão divina, porque sua relação é no nível das necessidades mortais, que é voltada para o ‘eu’ e impede o verdadeiro amor-dom-de-si livre. É preciso “falar a verdade” e a primeira verdade é reconhecer que no nível das necessidades mortais não amamos, dele não saímos se não formos socorridos pela graça do que dá a ‘água viva’, que devemos pedir essa libertação a Quem pode nos libertar, nos dar a ‘agua viva’, o Espírito Santo, o novo nascimento do Alto (cf. Jo 3, 3-6).

O relato passa então a considerar a construção humana e a construção divina no âmbito da relação humana com Deus. A samaritana pergunta se é no Monte da Samaria (Garizim) ou no Templo de Jerusalém, no Monte Sião, que se deve adorar Deus. Ambos são santuários construídos pela mão do homem nos quais se oferece sacrifícios, obras humanas que imploram a Deus atender às necessidades mortais dos homens. Jesus rejeita as duas alternativas (v.22) como adoração verdadeira a Deus e proclama uma nova: “Vem a hora, e já chegou, em que os verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai em espírito e verdade, e são esses adoradores que o Pai deseja. Deus é espírito, e os seus adoradores devem adorá-lo em espírito e verdade” (Jo 4,23-24). Em Espírito: segundo o Espírito, que liberta o homem da carne, da escravidão das necessidades da vida mortal; em verdade: segundo a ação criadora de Deus que é verdadeira e não segundo o mundo ‘virtual’ que os homens constroem sob escravidão de suas necessidades. Este culto é o mesmo que São Paulo explica em Rm 12,1. Não sendo mais escravo, pelo novo nascimento no Espírito Santo, da necessidade do corpo que luta contra a morte, o corpo é oferecido no serviço ao próximo e o cansaço, a dor e a morte ‘voluntária’ de um é fonte de vida para o outro, realizando a nível dos corpos mortais o mistério de amor-dom-de-si que rege entre as Pessoas Divinas e as unifica numa só Vida.

Os discípulos de Jesus voltam e querem que Jesus coma, ou seja, satisfaça suas necessidades humanas. Jesus fala de um outro alimento que lhe dá Vida, que é seu Pai Celestial. A resposta de amor ao Pai na obediência à sua missão ‘alimenta’ Jesus (v.34). Jesus tem fome dos homens (v.35-38) que quer resgatar para a vida divina, comparados com os trigais que fornecem o alimento da necessidade mortal de que os homens tem fome. Jesus tem sede (cf. Jo 19,28) de homens também. Ele se vai fazer alimento e bebida, dando seu Corpo e seu Sangue (cf. Jo 6), realizando assim o culto em espírito e verdade, o dom-de-si, para que os que “recebem de graça, dêem também, de graça” (cf. Mt 10,8) e vivam a Vida Divina. “Um é o que semeia, outro é o que colhe” (cf. Jo 4,37-38): os discípulos, oferecendo seus corpos na obra divina, formam uma unidade, como se fossem um só agricultor, embora sejam pessoas diversas).

3. O Cristianismo e as Virtudes Humanas

A Vida Moral Cristã não é construída simplesmente numa aquisição de virtudes morais.

O Cristianismo sempre incentivou os que ouviram sua mensagem à aquisição das virtudes morais.

Podemos dizer que a virtude é a capacidade que uma pessoa possui de assumir comportamentos convenientes à consecução de determinado fim. Quando o fim é a coerência interior da pessoa ou a harmonia social a virtude é considerada virtude moral. Por exemplo, a honestidade, a veracidade, a generosidade. Quando o fim é a comunhão com Deus em Si mesmo pela graça, temos as virtudes infusas ou teologais: a Fé, a Esperança e a Caridade. Quando o fim é a perfeição profissional temos as virtudes profissionais: a competência, a laboriosidade, a pontualidade, a assiduidade etc. As virtudes teologais têm uma natureza diversa das virtudes humanas. São geradas no homem a partir da autocomunicação de Deus ao homem e não de um esforço de desenvolvimento da pessoa. Por isso podemos dizer, mesmo se o cristianismo, como dissemos, usou sempre um discurso de virtudes, que a vida cristã em si mesma não se desenvolve como uma aquisição progressiva de virtudes, mas como uma iluminação que a Revelação Divina provoca, fazendo a pessoa reconsiderar a sua pessoa, o mundo, o seu destino, a partir de Deus e aí passa a viver segundo essa que é a realidade verdadeira que conheceu pela Revelação e acolheu pela fé, pela esperança e pela caridade. O caminho da aquisição progressiva das virtudes provém das filosofias grega, oriental etc. e não do cristianismo mesmo. Este absorveu esse caminho, não sem prejuízo de sua compreensão, de sua pureza e natureza original.

Essa assimilação da vida moral brotada da filosofia fez com que o cristianismo aparecesse, para a grande maioria das pessoas como um difícil aperfeiçoamento moral e não como uma iluminação sobre a Verdade, deformando o próprio conceito de fé, que se afastou do acolhimento e conhecimento da Verdade revelada, para se confundir com uma certa confiança em Deus, confundindo-se com o conceito de esperança. Isto também está na origem da atual separação entre fé (sentimentos religiosos) e vida (comportamento moral) e na pouca valorização do conhecimento religioso, concebido secularmente como algo necessário somente para pessoas especiais, ministros ordenados etc. Para que conhecer detalhes sobre a Revelação se a pessoa pode sentir confiança (confundida com a fé) em Deus, mesmo sem conhecê-lo em detalhes? A ignorância religiosa abre espaço também para o sincretismo religioso, pelo uso da linguagem e dos símbolos cristãos para um culto que, em sua lógica interna, é fundamentalmente pagão. (Explicar que o homem decaído pelo pecado original não é nem conhecedor do deus verdadeiro, nem ateu, mas pagão).

Por que o discurso sobre as virtudes cresceu tanto no ensino da fé cristã?

Mesmo que a vida cristã seja, em sua natureza própria, a vida segundo a Verdade revelada, e a visão da Verdade mude o homem, o cristão é um homem encarnado, inserido em seu contexto vital, sua cultura, e sofre diversos condicionamentos que lhe vem desse ambiente onde vive. Certamente foi pela denúncia contra os ambientes moralmente corrompidos que influenciavam os fiéis e a necessidade de fortalecê-los nos bons costumes, unida à natural dificuldade dos convertidos de viver a partir somente do Espírito, que levou a Igreja a acentuar o caminho da aquisição das virtudes morais.

A atual crise moral que abrange as sociedades no mundo inteiro tem sua razão de ser no condicionamento que o ambiente exerce sobre cada pessoa. Mas esse condicionamento tem raízes em transformações profundas que, mudando a civilização, afetaram profundamente a alma humana.

Uma dessas transformações foi o extraordinário progresso tecnológico com o uso de novas energias e a descoberta da origem das doenças com a conseqüente cura, que caracterizou as idades moderna e contemporânea. O ser humano, que era refém da natureza, sentiu-se poderoso sobre ela. A impotência diante da natureza, levava as pessoas a uma busca de recurso no mundo sobrenatural. A descoberta das curas e o domínio de novas energias (vapor, elétrica, combustíveis fósseis) fez diminuir muito o impulso à busca de salvação sobrenatural e aumentou o sentimento de auto-suficiência, ou seja, o orgulho do homem. Enfraquecendo o impulso sobrenatural, atrofiou também o temor de Deus, que era uma das colunas mestras que sustentava o exercício da virtude. O impacto do progresso do domínio sobre a natureza foi tal que as filosofias atéias, que em Demócrito jamais haviam conseguido ser populares, começaram a encontrar acolhimento no meio popular em muitos países, junto com um cientificismo ingênuo.

Outra grande transformação foi a implantação dos meios de comunicação social eletrônicos, o desenvolvimento da imprensa e o surgimento da cultura de massas, provinda, não da alma popular, mas das minorias materialistas e atéias, mas poderosas financeiramente, que controlam esses meios. Criou-se uma cultura sem Deus e foi se perdendo de vista, paulatinamente, as razões que sustentavam o comportamento virtuoso, que, animando a razão humana, levavam o espírito humano a controlar e dominar os impulsos da carne. Os valores morais passaram a ser considerados ‘tabus’ a serem derrubados e foi implantada uma cultura de satisfação dos instintos da carne, na qual a razão tem pouco espaço. Os lemas dessa ‘revolução’ eram, por exemplo, “É proibido proibir”, “Não se reprima” etc.; essa cultura enfraqueceu a vontade das pessoas, tornando-as incapazes de se controlarem a si mesmas, descendo a níveis sub-animalescos de que é sinal a enorme quantidade de dependentes de drogas, com um exorbitante índice de consumo e violência pública em todos os lugares. O homem, orgulhoso de ser senhor da natureza percebeu que não era senhor nem de si mesmo e se tornou incapaz de conviver socialmente em harmonia. Tornou-se um homem sem virtude.

Concomitantemente com essa evolução dos fatos, a cultura tornou-se também performática. O importante passou a ser superar metas, alcançar maiores índices, seja no caso de um atleta que busca estabelecer novo recorde, seja no caso de uma empresa que quer conquistar uma fatia sempre maior do mercado. Esta busca de objetivos e auto-superação leva a pessoa a desenvolver em si determinadas virtudes, submeter-se a uma verdadeira ascese, em vista de aumentar sua capacidade de alcançar tais ‘performances’. Isto mostra que a busca de virtudes não é algo do passado, mas é muito exigida pelo mundo moderno, haja vista, por exemplo, o rigor das exigências que se faz na seleção de candidatos para um emprego. E quanto mais excelente o emprego, maiores virtudes se exige. A busca da excelência e da produtividade nas empresas fez desenvolver ciências como a psicologia do trabalho, as relações humanas no trabalho e fez’ redescobrir, através dessas ciências, que a pessoa humana que trabalha mais e melhor a médio e longo prazos é a que for mais equilibrada emocionalmente, afetivamente etc. Isso levou a redescobrir, embora com objetivos materialistas e não de perfeição humana, muito menos pela glória de Deus Criador, o caráter espiritual da pessoa humana e da verdadeira liderança e ação humanas. Levou a redescobrir que toda pessoa tem uma contribuição a dar – tem dons a partilhar – se se descobre o lugar e a função correta para cada pessoa. Por causa destas descobertas se faz uma releitura das fontes cristãs e, repetimos, embora com objetivos imanentes, não deixam de manifestar a riqueza humana do caminho cristão. Por exemplo, títulos de livros bem vendidos como ‘Jesus, o maior líder que já existiu’, ‘Jesus, o maior psicólogo que já existiu’, ‘O Monge e o Executivo’, procuram em Jesus e na Regra de São Bento uma perfeição humana que possibilitará alcançar as melhores performances hoje. Mesmo para o sucesso terreno é necessária a virtude humana. O vicioso, o não-virtuoso, não está preparado para realizar-se nem neste mundo nem no próximo.

Esta constatação leva-nos, porém, a perceber que toda a grandeza da capacidade humana pode ser canalizada para alcançar metas bem abaixo das verdadeiras metas que, só elas, podem realizar plenamente o homem. “De que vale ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a si mesmo?” (Lc 9,25), diz o Senhor.

Dissemos, no início desta reflexão, que a idéia de virtude moral, em si mesma, não é de origem cristã. Pode haver mesmo um discurso moral cristão que a dispense, como os próprios quatro Evangelhos canônicos. Ao final, constatamos que não falta ao homem moderno o apelo à virtude. Há bastante até. O que falta é aquilo que é específico do cristianismo: a primazia da destinação divina da pessoa humana, a sabedoria divina, a afirmação, pela pessoa humana, da Presença e do Reino de Deus. Sem isso, mesmo a virtude moral humana se torna ambígua e hipócrita. Um verdadeiro malandro e vigarista só o é, com sucesso, se reunir em si uma série de virtudes humanas muito apreciadas como a tranqüilidade diante da adversidade, a capacidade de comunicação e persuasão, certa prudência e auto-contrôle, e assim por diante. O que caracteriza o cristão não é exatamente já possuir a perfeição da virtude moral humana, mas a sua meta, que é Deus. O verdadeiro perfil moral da pessoa humana não é tanto a sua perfeição moral humana, mas o rumo que dá à sua vida, o Deus verdadeiro, ou outro deus a que serve.

Dois Axiomas da Moral Cristã

Dois Axiomas da Moral Cristã

Queremos mostrar como a moral cristã é um agir segundo uma realidade sobrenatural que nos é revelada – o Mistério da Encarnação e da Páscoa de Nosso Senhor Jesus Cristo – e na qual estamos inseridos e suplanta tanto a moral grega da aquisição das virtudes como a moral veterotestamentária da obediência aos mandamentos, embora no resultado final, o cristão tanto apresenta as virtudes como obedece aos mandamentos.

 

A Moral Cristã é a moral que é de acordo com a natureza de Deus e a da pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus. Baseia-se em dois axiomas:

 

João 3,27: “João (Batista) lhes deu esta resposta: ‘Uma pessoa não pode receber nada além do que lhe é dado pelo Céu’”.

 

Mateus 10,8c: “De graça recebestes, de graça daí”.

Tudo é graça, tanto por recebimento como por doação. A própria vida do cristão é uma vida doada.

 

Destes dois axiomas, baseados nos quatro princípios da Moral Cristã, que já estudamos (tentemos relaciona-los) surgem todas as virtudes do cristão:

a)      ação de graças permanente a Deus

b)      caridade para com o próximo

c)      honestidade

d)      sinceridade, etc.

 

Estes axiomas plasmam também a liberdade do cristão. Jesus Cristo é o Senhor não porque manda. “Pois qual é o maior: o que está sentado à mesa ou o que serve? Não é aquele que está sentado à mesa? Todavia, eu estou no meio de vós, como aquele que serve” (Lc 22,27). Deus serve, criando e mantendo a sua criação. Jesus é o Senhor porque vive a Verdade. “Perguntou-lhe então Pilatos: És, portanto, rei? Respondeu Jesus: Sim, eu sou rei. É para dar testemunho da verdade que nasci e vim ao mundo. Todo o que é da verdade ouve a minha voz” (Jo 18,37). E a Verdade é que a criatura depende tão somente do seu Criador e nunca de outra criatura. Por isso Jesus Cristo não se apegou a nenhuma criatura e pede a seus discípulos para renunciarem a si mesmos e a todas as coisas. “Muito povo acompanhava Jesus. Voltando-se, disse-lhes: Se alguém vem a mim e não se desapega de seu pai, sua mãe, sua mulher, seus filhos, seus irmãos, suas irmãs e até a sua própria vida, não pode ser meu discípulo. E quem não carrega a sua cruz e me segue, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,25-27). “Assim, pois, qualquer um de vós que não renuncia a tudo o que possui não pode ser meu discípulo” (Lc 14,33). Jesus Cristo quer que o único valor absoluto de nossas vidas seja só Deus.

Santa Teresa de Jesus escreveu, baseada nisso: “Nada te perturbe, nada te espante; tudo passa, só Deus não muda. A paciência tudo alcança. Quem a Deus tem, nada lhe falta. Só Deus basta!”.

A moral cristã está toda contida na unicidade de Deus e no seu amor. “Achegou-se dele um dos escribas que os ouvira discutir e, vendo que lhes respondera bem, indagou dele: Qual é o primeiro de todos os mandamentos? Jesus respondeu-lhe: O primeiro de todos os mandamentos é este: Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor; amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu espírito e de todas as tuas forças. Eis aqui o segundo: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Outro mandamento maior do que estes não existe” (Mc 12,28-31).