quarta-feira, 20 de maio de 2009

Questões Atuais de Moral

Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro
Instituto Superior de Teologia

QUESTÕES ATUAIS DE MORAL

INTRODUÇÃO
A. Muitas questões de moral, uma só crise moral
À primeira vista poder-se-ia pensar que as “questões atuais de moral” são muitas e devem ser tratadas cada uma separadamente. Embora cada uma tenha seus particulares próprios, é preciso perceber, antes de tratar desses particulares, e para não transformar o estudo dessas questões de moral num assunto puramente técnico ou legalista, que não levaria a solução real nenhuma, mas apenas a julgamentos de “lícito” e “ilícito”, é preciso perceber que há nelas, nas questões que hoje se debate, uma unidade que vem do itinerário espiritual que a humanidade tem percorrido nos últimos séculos, até hoje.
O que é essa unidade? Uma doutrina? Uma força? Uma corrente de opinião? Bem se vê que uma elucidação a respeito ajuda a compreender até suas profundezas toda a crise moral do mundo contemporâneo e a missão da Igreja nele.
B. A missão da Igreja transcende a instituição católica
Para demonstrá-lo, basta lançar os olhos sobre o panorama religioso de nosso País. Estatisticamente, a situação dos católicos é excelente: segundo dados oficiais de 1960 constituíam 94% da população. Se todos os católicos fossem o que devem ser, o Brasil e outros países de esmagadora maioria católica, seriam hoje sociedades pacíficas e harmoniosas. Mas não. Apesar dessa grande quantidade de católicos a crise moral mundial avançou a passos largos em nosso país e atingiu até a Igreja. Escândalos e deserções no clero católico e em outras instituições morais e religiosas, diminuição da percentagem de católicos, da identidade dos católicos com a moral católica, divórcio, aborto, violência e corrupção generalizada.
Por que, então, estamos em tal crise? Quem poderia afirmar que a causa principal de nossa presente situação é o espiritismo, o protestantismo, o ateísmo, ou o comunismo? Bastaria trazer muitos para o seio da Igreja, para participar em nossas missas, convertê-los da participação em filosofias e instituições atéias, como parece ser o empenho de muitos sacerdotes? Adiantam os discursos éticos e as campanhas de boa vontade? A causa da crise moral é mais profunda e devemos estar atentos a ela. Ela é outra, impalpável, sutil, penetrante como se fosse uma poderosa e temível radioatividade. Todos lhe sentem os efeitos, mas poucos saberiam dizer-lhe o nome e a essência.

PRIMEIRA PARTE
Capítulo I - Crise do Homem Contemporâneo, Ocidental e Cristão
As muitas crises que abalam o mundo hodierno — do Estado, da família, da economia, da cultura, etc.— não constituem senão múltiplos aspectos de uma só crise fundamental, que tem como campo de ação o próprio homem. Em outros termos, essas crises têm sua raiz nos problemas de alma mais profundos, de onde se estendem para todos os aspectos da personalidade do homem contemporâneo e todas as suas atividades.
Essa crise é principalmente a do homem ocidental e cristão, isto é, do europeu e de seus descendentes, o americano e o australiano. E é enquanto tal que mais particularmente a estudaremos. Ela afeta também os outros povos, na medida em que a estes se estende e neles criou raiz o mundo ocidental. Nesses povos tal crise se complica com os problemas próprios às respectivas culturas e civilizações e ao choque entre estas e os elementos positivos ou negativos da cultura e da civilização ocidentais.
Capítulo II - A raiz comum de toda a crise humana
O Salvador do Mundo não trouxe uma solução intra-mundana, para uma vida melhor neste mundo. Ensinou e realizou que a meta do viver humano neste mundo está fora deste mundo, isto é, na comunhão com a Santíssima Trindade, pelo Filho, a Segunda Pessoa, pela virtude do Espírito Santo, a Terceira Pessoa, que é o Espírito da Verdade e da Unidade, pelo qual Pessoas distintas vivem uma mesma vida, isto é, vivem em comunhão. Esta comunhão se dá pela submissão do homem ao Reino de Deus, ou seja, uma rendição, onde o homem desiste de criar o reino de sua própria inteligência e força. A Justiça é a criatura reconhecer que tudo lhe vem do seu Criador e colocar-se completamente sob sua dependência, obedecendo-Lhe em tudo. “Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas em acréscimo”. (Mt 6,33; Lc 12,31). È exatamente essa não-conversão do homem moderno e contemporâneo ao Reino de Deus a causa geradora das questões que hoje afligem o mundo e levam a uma retomada do recurso à Ética. As “questões atuais de moral” aparecem nesse contexto da crise do homem moderno e contemporâneo, como uma esperança de que a Moral — ou a Ética — possa resolver essa crise. Tal retomada da Ética é insuficiente, e tal esperança é vã, porque pode, quando muito, iluminar intelectualmente a razão do homem acerca das atitudes justas a tomar, mas não pode vitalizar sua vontade para de fato tomá-las, uma vez que tais atitudes ferem muitos interesses políticos e econômicos particulares. Seria utópico esperar que todos esses interesses particulares cedessem aos raciocínios éticos “pelo bem da humanidade”, “pela preservação da natureza”, “por um futuro melhor” etc. Seria crer que o problema da humanidade é só uma ignorância ética e que a “conscientização” finalmente viria a estabelecer a paz no mundo “evoluído”. Isto é uma heresia, envolvendo racionalismo e evolucionismo. Pelo Evangelho sabemos que o problema do homem não é uma ignorância vencível — um problema da razão —, mas uma escravidão da vontade.

“31E Jesus dizia aos judeus que nele creram: Se permanecerdes na minha palavra, sereis meus verdadeiros discípulos; 32conhecereis a verdade e a verdade vos libertará. 33Replicaram-lhe: Somos descendentes de Abraão e jamais fomos escravos de alguém. Como dizes tu: Sereis livres? 34Respondeu Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: todo homem que se entrega ao pecado é seu escravo. 35Ora, o escravo não fica na casa para sempre, mas o filho sim, fica para sempre. 36Se, portanto, o Filho vos libertar, sereis verdadeiramente livres” (Jo 8,31-36).

Esta escravidão está na condição mortal do homem.

“14Porquanto os filhos participam da mesma natureza, da mesma carne e do sangue, também ele participou, a fim de destruir pela morte aquele que tinha o império da morte, isto é, o demônio, 15e libertar aqueles que, pelo medo da morte, estavam toda a vida sujeitos a uma verdadeira escravidão” (Hb 2,14-15).

A escravidão se dá “pelo medo da morte”, isto é, o desejo de viver do homem leva-o a colocar seu prazer na posse e no poder sobre as criaturas — outros homens, os recursos da terra, o dinheiro — como se estas pudessem lhe dar vida plena, para a qual foi criado por Deus. Como as criaturas não o podem, o homem só pode se salvar se esperar na graça do Criador que lhe deu esta vida e dará a vida plena, cujo anseio colocou em nosso coração. Realiza-se então a palavra de São Paulo a Timóteo:

“10Porque a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro. Acossados pela cobiça, alguns se desviaram da fé e se enredaram em muitas aflições” (1Tm 6,10).

Esta é a raiz da crise contemporânea, ainda mais grave que em outras épocas da história. Veremos porque.
A graça do Criador age no homem pelas virtudes da Fé, da Esperança e da Caridade e pelos dons do Espírito Santo. Esta graça é descrita por São João como um novo nascimento, do Alto.

“3Jesus replicou-lhe: Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer de novo não poderá ver o Reino de Deus. 4Nicodemos perguntou-lhe: Como pode um homem renascer, sendo velho? Porventura pode tornar a entrar no seio de sua mãe e nascer pela segunda vez? 5Respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo: quem não renascer da água e do Espírito não poderá entrar no Reino de Deus. 6O que nasceu da carne é carne, e o que nasceu do Espírito é espírito. 7Não te maravilhes de que eu te tenha dito: Necessário vos é nascer de novo. 8O vento sopra onde quer; ouves-lhe o ruído, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai. Assim acontece com aquele que nasceu do Espírito. 9Replicou Nicodemos: Como se pode fazer isso? 10Disse Jesus: És doutor em Israel e ignoras estas coisas!... 11Em verdade, em verdade te digo: dizemos o que sabemos e damos testemunho do que vimos, mas não recebeis o nosso testemunho. 12Se vos tenho falado das coisas terrenas e não me credes, como crereis se vos falar das celestiais? 13Ninguém subiu ao céu senão aquele que desceu do céu, o Filho do Homem que está no céu. 14Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim deve ser levantado o Filho do Homem, 15para que todo homem que nele crer tenha a vida eterna. 16Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. 17Pois Deus não enviou o Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o mundo seja salvo por ele” (Jo 3,3-17).

Renascer do Espírito é libertar-se do medo da morte. Pela fé, sabe-se do amor de Deus, que tudo deu por graça à sua criatura humana e sabe-se que a morte não destrói o homem, mas sim o pecado, a separação da sua fonte de vida e de ser, que é Deus. Todo pecado é, em grau maior ou menor, uma revolta contra Deus e um grito de independência em relação a Ele. Quem renasceu do Espírito já está sepultado para o reino deste mundo e vivo para o Reino de Deus (cf. Cl 3,1-3). Então prefere morrer do que pecar. Este é o testemunho do Reino de Deus que deram, por exemplo, os mártires. Não há outra solução real para as “questões atuais de moral”. Se houvesse, o Redentor a teria revelado e o seu Reino seria deste mundo. Portanto, uma civilização cristã não pode ser a civilização da adoração do conforto e do prazer físico, simplesmente, mas da austeridade, do sacrifício de si mesmo para o bem comum e da responsabilidade, por temor e amor a Deus. Aparentemente, parece que seria uma civilização séria e sem alegria. Exatamente o contrário. Seria a civilização da alegria e da beleza.
Capítulo III - A crise é também da Igreja
Um aspecto da crise atual é a grande esperança que homens de Igreja — bispos, presbíteros, e intelectuais — colocam nos discursos éticos, ignorando as verdades básicas da Redenção que expusemos acima. Por exemplo, o recurso que se faz às ‘Declarações de Direitos Humanos’. Em que se baseiam esses ‘direitos humanos’? São convenções humanas, que servem até de pretexto para ações de dominação política. O eixo Nova York-Londres não intervem nos países para lutar contra ‘ditadores’ e defender os ‘direitos humanos’? Mas não propagam aí mesmo o aborto, a pornografia e outras mazelas? E essas intervenções não são caras operações militares que são cobertas, com grandes lucros, pelas riquezas conquistadas nas operações pelos ‘direitos humanos’? Ao cobrar respeito aos ‘direitos humanos’ os sucessores dos apóstolos não anunciam o mistério de Cristo, que é a sua missão, mas agem como representantes de associações filantrópicas, como a Anistia Internacional, o Rotary ou o Lions Club. O anúncio do mistério de Jesus Cristo passa pela revelação da misericórdia de Deus em relação a todo homem, todo pecador, da ação do Maligno e da conversão pessoal, e não por uma reivindicação ou exigência de justiça humana, como se esta fosse a salvação do mundo (cf. Lc 12,13-15). Em outros pontos também assumem com facilidade posturas filosóficas geradas pelo ateísmo ou o materialismo. A Ética, pesquisa da inteligência humana, não salvará jamais o mundo. Só a conversão dos corações a Deus, pelo sacrifício do Corpo de Cristo, que é a Igreja pode abrir os corações dos homens ao Espírito Santo, para que se convertam. É na Cruz que a Igreja intercede pela humanidade. É a sua Cruz que a Igreja oferece a cada Santa Missa, até que Ele venha estabelecer o Reino definitivo. O Reino de Deus não é “construído” pelo homem como estamos ficando acostumados a ouvir — outra heresia atual — mas pode ser participado por ele, na medida em que se imola com Cristo na Cruz. E não há outra maneira de participar na vinda do Reino. Ou seja, de vencer o Maligno, o Príncipe deste mundo. O Caminho pelo qual Jesus o venceu é o único disponível também para sua Igreja.
Capítulo IV - Processo histórico dessa crise
A causa profunda da crise moral que vivemos é uma explosão de orgulho e sensualidade que inspirou, não diríamos um sistema, mas toda uma cadeia de sistemas ideológicos. De larga aceitação dada a estes no mundo inteiro, decorreram as três grandes revoluções da História do Ocidente: a Pseudo-Reforma, a Revolução Francesa e o Comunismo (cfr. Leão XIII, Encíclica "Parvenus à la Vingt-Cinquième Année", de 19-III-1902 — "Bonne Presse", Paris, vol. VI, p. 279). São, todas as três, etapas de uma só revolução que tem sua raiz no íntimo do homem e na sua escravidão à carne. Tal revolução pode ser chamada também revolução comercial ou burguesa, e inclui a revolução industrial e filosófica dos últimos cinco séculos, pelo menos.
O orgulho leva ao ódio a toda superioridade, e, pois, à afirmação de que a desigualdade é em si mesma, em todos os planos, inclusive e principalmente nos planos metafísico e religioso, um mal. É o aspecto igualitário do pensamento moderno.
A sensualidade, de si, tende a derrubar todas as barreiras. Ela não aceita freios e leva à revolta contra toda autoridade e toda lei, seja divina ou humana, eclesiástica ou civil. É o aspecto liberal do pensamento moderno ou modernismo.
Ambos os aspectos, que têm em última análise um caráter metafísico, parecem contraditórios em muitas ocasiões, mas se conciliam na utopia marxista de um paraíso anárquico em que uma humanidade altamente evoluída e "emancipada" de qualquer religião vivesse em ordem profunda sem autoridade política, e em uma liberdade total da qual entretanto não decorresse qualquer desigualdade.
A Pseudo-Reforma foi uma primeira revolução. Ela implantou o espírito de dúvida, o liberalismo religioso e o igualitarismo eclesiástico, em medida variável aliás nas várias seitas a que deu origem.
Seguiu-se-lhe a Revolução Francesa, que foi o triunfo do igualitarismo em dois campos. No campo religioso, sob a forma do ateísmo, especiosamente rotulado de laicismo. E na esfera política, pela falsa máxima de que toda a desigualdade é uma injustiça, toda autoridade um perigo, e a liberdade o bem supremo.
O Comunismo é a transposição destas máximas para o campo social e econômico.
Estas três revoluções são episódios de um só processo histórico, dentro do qual o socialismo e o liberalismo são etapas de transição ou manifestações atenuadas.
Capítulo V - Caracteres dessa Crise
Por mais profundos que sejam os fatores de diversificação dessa crise nos vários países hodiernos, ela conserva, sempre, cinco caracteres capitais:

1. É UNIVERSAL: Essa crise é universal. Não há hoje povo que não esteja atingido por ela, em grau maior ou menor.

2. É UNA: Essa crise é una. Isto é, não se trata de um conjunto de crises que se desenvolvem paralela e autonomamente em cada país, ligadas entre si por algumas analogias mais ou menos relevantes.
Quando ocorre um incêndio numa floresta, não é possível considerar o fenômeno como se fosse mil incêndios autônomos e paralelos, de mil árvores vizinhas umas das outras. A unidade do fenômeno "combustão", exercendo-se sobre a unidade viva que é a floresta, e a circunstância de que a grande força de expansão das chamas resulta de um calor no qual se fundem e se multiplicam as incontáveis chamas das diversas árvores, tudo, enfim, contribui para que o incêndio da floresta seja um fato único, englobando numa realidade total os mil incêndios parciais, por mais diferentes, aliás, que cada um destes seja em seus acidentes.
A Cristandade ocidental constituiu um só todo, que transcendia os vários países cristãos, sem os absorver. Nessa unidade viva se operou uma crise que acabou por atingi-la toda inteira, pelo calor somado e, mais do que isto, fundido, das sempre mais numerosas crises locais que há séculos se vêm interpenetrando e se somando ininterruptamente. Em conseqüência, a Cristandade, enquanto família de Estados oficialmente católicos, de há muito cessou de existir. Dela restam como vestígios os povos ocidentais e cristãos. E todos se encontram presentemente em agonia, sob a ação deste mesmo mal.
Nos últimos anos é mais fácil observar isso, que já acontece há séculos. As campanhas mundiais em favor do do sexo livre, contra qualquer relação de causa e efeito entre sexualidade, união estável de vida e reprodução humana, contra a família, a favor do homossexualismo, do aborto, da eutanásia, da liberação e aceitação do uso cotidiano de entorpecentes são sinais claríssimos de um mundo que vai caminhando para a tristeza e o mal.

3. É TOTAL: Considerada em um dado país, essa crise se desenvolve numa zona de problemas tão profunda, que ela se prolonga ou se desdobra, pela própria ordem das coisas, em todas as potências da alma, em todos os campos da cultura, em todos os domínios, enfim, da ação do homem.

4. É DOMINANTE: Encarados superficialmente, os acontecimentos dos nossos dias parecem um emaranhado caótico e inextricável, e de fato o são de muitos pontos de vista.
Entretanto, podem-se discernir resultantes, profundamente coerentes e vigorosas, da conjunção de tantas forças desvairadas, desde que estas sejam consideradas do ângulo da grande crise de que tratamos.
Com efeito, ao impulso dessas forças em delírio, as nações ocidentais vão sendo gradualmente impelidas para um estado de coisas que se vai delineando igual em todas elas, e diametralmente oposto à civilização cristã.
De onde se vê que essa crise é como uma rainha a que todas as forças do caos servem como instrumentos eficientes e dóceis.

5. É PROCESSIVA: Essa crise não é um fato espetacular e isolado. Ela constitui, pelo contrário, um processo crítico já cinco vezes secular, um longo sistema de causas e efeitos que, tendo nascido, em momento dado, com grande intensidade, nas zonas mais profundas da alma e da cultura do homem ocidental, vem produzindo, desde o século XV até nossos dias, sucessivas convulsões. A este processo bem se podem aplicar as palavras de Pio XII a respeito de um sutil e misterioso "inimigo" da Igreja: "Ele se encontra em todo lugar e no meio de todos: sabe ser violento e astuto. Nestes últimos séculos tentou realizar a desagregação intelectual, moral, social, da unidade no organismo misterioso de Cristo. Ele quis a natureza sem a graça, a razão sem a fé; a liberdade sem a autoridade; às vezes a autoridade sem a liberdade. É um "inimigo" que se tornou cada vez mais concreto, com uma ausência de escrúpulos que ainda surpreende: Cristo sim, a Igreja não! Depois: Deus sim, Cristo não! Finalmente o grito ímpio: Deus está morto; e, até, Deus jamais existiu. E eis, agora, a tentativa de edificar a estrutura do mundo sobre bases que não hesitamos em indicar como principais responsáveis pela ameaça que pesa sobre a humanidade: uma economia sem Deus, um Direito sem Deus, uma política sem Deus" (Alocução à União dos Homens da Ação Católica Italiana, de 12-X-1952 — "Discorsi e Radiomessaggi", vol. XIV, p. 359).
Este processo não deve ser visto como uma seqüência toda fortuita de causas e efeitos, que se foram sucedendo de modo inesperado. Já em seu início possuía esta crise as energias necessárias para reduzir a atos todas as suas potencialidades, que em nossos dias conserva bastante vivas para causar por meio de supremas convulsões as destruições últimas que são seu termo lógico.
Influenciada e condicionada em sentidos diversos, por fatores extrínsecos de toda ordem — culturais, sociais, econômicos, étnicos, geográficos e outros — e seguindo por vezes caminhos bem sinuosos, vai ela no entanto progredindo incessantemente para seu trágico fim.
Capítulo VI - Formação e Dissolução de uma civilização relativamente cristã
O Cristianismo se difundiu no Ocidente e Oriente próximo na unidade política gerada pelo Império Romano. Embora fosse uma sociedade pagã e politeísta, também escravagista, e com muitos outros elementos morais negativos, como organização social e política era um dos vértices máximos até então atingidos pela humanidade. A herança da filosofia grega foi herdada em seus melhores valores pelo espírito romano. As virtudes pregadas pela ética grega encaixaram-se bastante bem no espírito romano, cujo caráter militar acolheu bem a austeridade e a ponderação características do pensamento grego. Como mostra Santo Agostinho, em “A Cidade de Deus”, estas foram as causas do crescimento do Império e da Civilização romanas. A virtude trouxe a força. Com a força veio o domínio sobre outros povos e, com isso, a prosperidade. A prosperidade e o poder, porém, ao longo das sucessivas gerações, traz o relaxamento moral, pela fraqueza da carne humana, escrava dos prazeres, e daí veio a gradual queda do Império Romano. Com a corrupção moral interna do Império veio a sua conseqüente fragmentação política. E os povos externos ao império, vindos do Oriente ou do Norte da Europa, chamados de ‘bárbaros’, com um nível cultural sensivelmente inferior ao dos romanos e dos povos integrados no Império, o invadiram. No Ocidente, pelo fim do IV século, caiu o Império Romano. No Oriente, permaneceu com um poder lentamente decrescente, em geral, até a sua queda definitiva, em 1453, quando os turcos muçulmanos apossaram-se de Constantinopla.
Com a invasão dos bárbaros, perdeu-se a unidade política e a ordem institucional. Com o tempo, foi-se formando uma ‘ordem’ de sobrevivência, em unidades muito menores, chamadas feudos. Os feudos formaram-se como resposta às ameaças à vida e a impossibilidade de sonhos de grandeza. Formaram-se como pequenas sociedades orgânicas, onde cada um tinha o seu papel numa hierarquia natural. O mais forte cuidava da defesa e isso deu origem à nobreza medieval. Os outros cuidavam da produção, seja agrícola como artesanal. O feudo funcionava como um corpo onde cada um tem o seu papel para o bem do conjunto, o bem comum. E, em geral cada um aceitava o seu papel, sem o domínio de ambições pessoais acentuadas. Acrescente-se a isso o papel evangelizador das ordens monásticas, especialmente a de São Bento, com seu exemplo de ‘ora et labora’ formando no mosteiro uma perfeita sociedade de irmãos e pregando ao povo. A insegurança gerada pela ausência de um forte poder central e a ausência de riqueza em quantidade excessiva levaram os homens, somados à pregação do Evangelho e à presença forte na cultura então formada de Deus e do destino eterno que Ele preparou para os homens, levou, nessa época, à aceitação do diferente papel social de cada um, numa igual dignidade humana, de filhos de Deus.
A sociedade feudal era uma sociedade eminentemente rural. A necessidade de sobrevivência e defesa dos feudos, no início levou a uma bastante grande dispersão, de forma que a comunicação do feudo com o mundo exterior era relativamente pequena. Com o tempo e o trabalho virtuoso, as coisas tendem a estabilizar-se e o processo natural é que a comunicação vá crescendo. Foi o que aconteceu. Um processo de integração dos feudos gerando relações unificadoras, ainda em relações hierárquicas, em que os feudatários se relacionavam como vassalos e suseranos, e o suserano principal era o rei. Os feudos, no entanto, tinham uma bastante grande autonomia. O rei, em geral, não tinha nem poder, nem meios técnicos para comandar tiranicamente todos os feudos. Um exemplo disso é que a Alemanha, centro do Sacro Império, só foi unificada como país no século XIX. E a Suíça, até hoje, é uma federação bastante livre de cantões, feudos suíços.
Com a estabilização da civilização medieval, ao longo do tempo, a comunicação foi aumentando e o contato com os povos do Oriente cresceu. Apareceu, com isso, possibilidades anteriormente impossíveis. Inovações em muitos campos, desde a culinária às artes manuais, tecidos etc… Uma série de possibilidades que faziam a vida mais ‘gostosa’. Foi crescendo o espaço de uma atividade pouco presente no começo da civilização feudal: o comércio. Com o comércio, foi crescendo a importância do sistema monetário, e com isso, apareceram os bancos e os banqueiros. E com eles a usura e a acumulação de riqueza. A riqueza acumulada gerou a concentração de poder. A vida foi ficando menos rural e progressivamente se deslocando para as cidades. Daí os comerciantes e banqueiros serem chamados de ‘burgueses’ (burgo=cidade). As possibilidades novas abertas pelo comércio tinham sua força nas fraquezas da carne, no gosto pelo ‘agradável’, ‘gostoso’, visualmente ‘belo’, ou seja tinham sua força no íntimo da alma do homem. O crescente poder dos banqueiros e comerciantes quebra a unidade moral, pois se baseava numa prática considerada imoral que era a cobrança de juros segundo as possibilidades do mercado e não segundo o bem das pessoas. A prosperidade, mais uma vez fez esquecer o bem das pessoas e a solidariedade e o lucro se tornou um fim em si mesmo. Isso gerou um constante atrito entre o mundo da atividade laboral humana, que foi sendo marcado pelo comércio, e o mundo do espírito, entre a vida prática e a vida de fé. A sedução dos confortos vai predominar, historicamente.
No século XIV começa a observar-se, na Europa cristã, uma transformação de mentalidade que ao longo do século XV cresce cada vez mais em nitidez. O apetite dos prazeres terrenos se vai tornando em ânsia. As diversões se vão tornando mais freqüentes e mais suntuosas. Os homens se preocupam sempre mais com elas. Nos trajes, nas maneiras, na linguagem, na literatura e na arte o anelo crescente por uma vida cheia de deleites da fantasia e dos sentidos vai produzindo progressivas manifestações de sensualidade e moleza. Há um paulatino deperecimento da seriedade e da austeridade dos antigos tempos. Tudo tende ao risonho, ao gracioso, ao festivo. Os corações se desprendem gradualmente do amor ao sacrifício, da verdadeira devoção à Cruz, e das aspirações de santidade e vida eterna. A Cavalaria, outrora uma das mais altas expressões da austeridade cristã se torna amorosa e sentimental, a literatura de amor lascivo invade todos os países, os excessos do luxo e a conseqüente avidez de lucros se estendem por todas as classes sociais.
Tal clima moral, penetrando nas esferas intelectuais, produziu claras manifestações de orgulho, como o gosto pelas disputas aparatosas e vazias, pelas argúcias inconsistentes, pelas exibições fátuas de erudição, e lisonjeou velhas tendências filosóficas, das quais triunfara a Escolástica, e que já agora, relaxado o antigo zelo pela integridade da Fé, renasciam em aspectos novos. O absolutismo dos legistas, que se engalanavam com um conhecimento vaidoso do Direito Romano, encontrou em Príncipes ambiciosos um eco favorável. E “pari passu” foi-se extinguindo nos grandes e nos pequenos a fibra de outrora para conter o poder real nos legítimos limites vigentes nos dias de São Luís de França e São Fernando de Castela.

A. A Pseudo-Reforma e a Renascença

Este novo estado de alma continha um desejo possante, se bem que mais ou menos inconfessado, de uma ordem de coisas fundamentalmente diversa da que chegara a seu apogeu nos séculos XII e XIII.
A admiração exagerada, e não raro delirante, pelo mundo antigo, serviu como meio de expressão a esse desejo. Procurando muitas vezes não colidir de frente com a velha tradição medieval, o Humanismo e a Renascença tenderam a relegar a Igreja, o sobrenatural, os valores morais da Religião, a um segundo plano. O tipo humano, inspirado nos moralistas pagãos, que aqueles movimentos introduziram como ideal na Europa, bem como a cultura e a civilização coerentes com este tipo humano, já eram os legítimos precursores do homem ganancioso, sensual, laico e pragmático de nossos dias, da cultura e da civilização materialistas em que cada vez mais vamos imergindo. Os esforços por uma Renascença cristã não lograram esmagar em seu germe os fatores de que resultou o triunfo paulatino do neopaganismo.
Em algumas partes da Europa, este se desenvolveu sem levar à apostasia formal. Importantes resistências se lhe opuseram. E mesmo quando ele se instalava nas almas, não lhes ousava pedir — de início pelo menos — uma formal ruptura com a Fé.
Mas em outros países ele investiu às escâncaras contra a Igreja. O orgulho e a sensualidade, em cuja satisfação está o prazer da vida pagã, suscitaram o protestantismo e o humanismo.
O orgulho deu origem ao espírito de dúvida, ao livre exame, à interpretação naturalista da Escritura. Produziu ele a insurreição contra a autoridade eclesiástica, expressa em todas as seitas pela negação do caráter monárquico da Igreja Universal, isto é, pela revolta contra o Papado. Algumas, mais radicais, negaram também o que se poderia chamar a alta aristocracia da Igreja, ou seja, os Bispos, seus Príncipes. Outras ainda negaram o próprio sacerdócio hierárquico, reduzindo-o a mera delegação do povo, único detentor verdadeiro do poder sacerdotal.
No plano moral, o triunfo da sensualidade no protestantismo se afirmou pela supressão do celibato eclesiástico e pela introdução do divórcio.
No plano político, o verdadeiro poder foi sendo transferido dos feudatários para os burgueses. Este financiavam os reis e isso levou a uma concentração do poder político nas mãos dos reis, sob o poder econômico dos burgueses, e mantidos por esses, segundo os seus interesses. Surgiu assim, no século XVI, o absolutismo, ausente nos tempos medievais. Este levará à exploração dos pobres e a uma sociedade de luxos e desperdícios, que provocará a revolta popular contra os reis. Esta revolta, porém, também estará no plano dos banqueiros, agora já bastante mais ricos do que na Idade Média, devido também às grandes navegações, financiadas por eles, às riquezas vindas das Américas e do Extremo Oriente.
O protestantismo aconteceu como uma adaptação do cristianismo aos interesses da classe burguesa.
a) trazia uma idéia de salvação por uma ‘fé’ em Jesus Cristo, que não levava necessariamente à escolha uma porta estreita, da Cruz e da renúncia, mas a simples admissão intelectual dos títulos de Jesus Cristo, como Salvador e Filho de Deus. A acumulação da riqueza era considerada um sinal da predileção divina, contra os ensinamentos do Evangelho, mas de acordo com João Calvino.
b) negava a unidade entre as pessoas, e a intercessão pela participação de todos num só corpo - fundamento teológico da sociedade orgânica feudal - e afirmava o individualismo, cada um se salvando pela aceitação individual da ‘fé’ intelectual, apenas.
É famosa a tese do sociólogo alemão Max Weber que associa, por isso, o desenvolvimento econômico maior das nações de maioria protestante à ética protestante.
Com a queda dos reis absolutos, cujo símbolo foi a decapitação do rei Carlos I, da Inglaterra, no século XVII, e do rei Luís XVI, da França, no fim do século XVIII, estabelece-se um poder que supostamente vem do povo, representado nos seus magistrados, mas que na verdade tem por trás os banqueiros que financiam as carreiras desses mesmos ‘eleitos pelo povo’.
Cabe notar que a filosofia foi acompanhando o estado de espírito gerado pela inclinação a cada momento. No século XIV, com o comércio já bastante desenvolvido e para minar as bases metafísicas que deslegitimavam a atividade banqueira, surge o nominalismo, do qual um frade (!), Gulherme de Ockam é o principal representante. Mais tarde, no século XVI, aparecerá um René Descartes para instalar o espírito de dúvida, que abre possibilidade de justificação para as práticas mais absurdas, colocando as verdades em dúvida e transformando tudo em opinião. O racionalismo, atribuindo toda a fonte do conhecimento à a razão pura, baseada só nos dados dos sentidos, levará a desconfiar da própria razão e a não ter certezas. Isso gerará a filosofia predominante no tempo contemporâneo que é o agnosticismo, a afirmação desconhecimento da essência das coisas e , por isso, o existencialismo. No tempo do absolutismo, no século XVII, aparecerá um Thomas Hobbes para legitimá-lo. Depois, no século XVIII, um Rousseau para ir contra o absolutismo, com uma nova e mais profunda afirmação do orgulho do homem.

B. A Revolução Francesa

A ação profunda do humanismo renascentista, com seus traços neopagãos, entre os católicos não cessou de se dilatar numa crescente cadeia de conseqüências. Favorecida pelo enfraquecimento da piedade dos fiéis —ocasionado pelo jansenismo e pelos outros fermentos que o protestantismo do século XVI desgraçadamente deixara na antiga Europa cristã — tal ação teve por efeito no século XVIII uma dissolução quase geral dos costumes, um modo frívolo e brilhante de considerar as coisas, um endeusamento da vida terrena, que preparou o campo para a vitória gradual da irreligião. Dúvidas em relação à Igreja, negação da divindade de Cristo, deísmo, ateísmo incipiente foram as etapas dessa apostasia.
Profundamente afim com o protestantismo, herdeira dele e do neopaganismo renascentista, a Revolução Francesa realizou uma obra de todo em todo simétrica à da Pseudo-Reforma. A Igreja Constitucional que ela, antes de naufragar no deísmo e no ateísmo, tentou fundar, era uma adaptação da Igreja da França ao espírito do protestantismo. E a obra política da Revolução Francesa não foi senão a transposição, para o âmbito do Estado, da "reforma" que as seitas protestantes mais radicais adotaram em matéria de organização eclesiástica:

— Revolta contra o Rei, simétrica à revolta contra o Papa;
— Revolta da plebe contra os nobres, simétrica à revolta da "plebe" eclesiástica, isto é, dos fiéis, contra a "aristocracia" da Igreja, isto é, o Clero;
— Afirmação da soberania popular, simétrica ao governo de certas seitas, em medida maior ou menor, pelos fiéis.

No final da Idade Média, a ascendente classe burguesa aliou-se aos reis contra os feudatários, enfraquecendo a nobreza e concentrando o poder nas mãos dos reis. Com a Revolução Francesa, os reis é que são abatidos. Logo após a Revolução na França, que passara por tantas tribulações, pelo Terror, subitamente, a mesma França, que no período dos reis estava sempre em conflitos contra a Áustria ou outros países, sem encontrar muita facilidade, sob o comando de Napoleão Bonaparte conquista praticamente a Europa inteira, destrona reis e coloca em seus lugares reis-fantoches que são os parentes de Napoleão. Como pode isso acontecer? Só se explica pela estratégia da burguesia de se livrar dos reis e aceder de uma forma mais direta ao poder. Caem então as monarquias, as legislações vão se tornando liberais, segundo os princípios já expostos acima e pululam as repúblicas ou monarquias parlamentares. Os representantes do povo “do qual emana todo poder” (comparar com Jo 19,11) são mais facilmente trocados do que os reis e, para acederem ao poder não tem mais o apoio do sangue, como na aristocracia, e são, por isso, mais dependentes do dinheiro. E quem o tem são os burgueses, banqueiros, industriais, grandes empresários. Com o novo estado de coisas, o poder fica mais absolutamente dependente do dinheiro e não há mais vestígio dos elementos de coragem e nobreza, que na situação precária da formação feudal, gerou as famílias nobres, perpetuadas também pela trtadição e raízes, passadas de geração em geração. O poder é só a força econômica, impera o materialismo, e os elementos espirituais que faziam um homem aceitar o governo de outro estarão deformados pela propaganda burguesa - a imagem formada artificialmente - e pela demagogia (cf. Mt 4,8-9; 6,24).

C. O Comunismo

No protestantismo nasceram algumas seitas que, transpondo diretamente suas tendências religiosas para o campo político, prepararam o advento do espírito republicano. São Francisco de Sales, no século XVII, premuniu contra estas tendências republicanas o Duque de Sabóia (cfr. Sainte-Beuve, "Études des lundis — XVIIème siècle — Saint François de Sales", Librairie Garnier, Paris, 1928, p. 364). Outras, indo mais longe, adotaram princípios que, se não se chamarem comunistas em todo o sentido hodierno do termo, são pelo menos pré-comunistas.
Da Revolução Francesa nasceu o movimento comunista de Babeuf. E mais tarde, do espírito cada vez mais vivaz da Revolução, irromperam as escolas do comunismo utópico do século XIX e o comunismo dito científico de Marx.
E o que de mais lógico? O deísmo tem como fruto normal o ateísmo. A sensualidade, revoltada contra os frágeis obstáculos do divórcio, tende por si mesma ao amor livre. O orgulho, inimigo de toda superioridade, haveria de insistir contra todas as desigualdades, e a desigualdade acentuada pela ascensão da burguesia, era a desigualdade de fortunas. Aparentemente, pois, a revolução comunista vai contra a burguesia. A nível local até pode-se admitir a destruição da classe burguesa, com a criação de uma nova classe privilegiada, a que controla o Estado comunista, como se viu na União Soviética. Mas não a nível mundial. A burguesia passou a uma nova fase, que não se trata mais apenas de acumular fortuna, mas de um verdadeiro governo ditatorial mundial, em que tudo é planejado segundo os interesses da burguesia. Vem daí o controle populacional, a esterilização de milhares de pessoas, as propagandas pró-aborto, e tudo o que exacerba a escravidão das pessoas aos apetites da carne, a fim de impedir as manifestações do espírito, que clamam pala liberdade, como é a oferta desenfreada de pornografia, de drogas e entretenimentos que não favorecem o pensar e o criar humanos e o barulho, o roc‘n‘roll, melhor, o heavy metal. Repare que o pentecostalismo, forma mais moderna de protestantismo apela abundantemente para os ambientes barulhentos e despersonalizantes, desfavorecendo o pensamento e a reflexão, que levam às convicções verdadeiras do espírito, e escravizando muitos pela emoção carnal.
O comunismo real sempre esteve sob o controle da elite burguesa mundial e serve aos seus propósitos ditatoriais. Um pequeno exemplo se vê como são iguais, a direita liberal e a esquerda atuais, na ação contra a moral católica, destruindo a família, incentivando o aborto, o homossexualismo, o sexo liberado, o controle populacional etc. como elencado acima.
Capítulo VII - A Revolução Burguesa Industrial e Tecnológica
Além e simultaneamente com as revoluções protestante, iluminista e comunista, ocorreu uma outra revolução, que talvez, mais ainda que estas que vimos acima penetrou na alma humana. Trata-se da revolução realizada pelo enorme avanço científico acontecido a partir do século XVI e suas conseqüências tecnológicas e culturais.
A filosofia medieval partia de um princípio dedutivo, até certo tempo contemplativo, que levava à sabedoria pela contemplação das causas naturais. Os princípios indutivos do racionalismo empirista sugeridos por René Descartes e Francis Bacon levaram ao experimentalismo, ao empirismo e à elaboração do método científico. O pensador não mais contemplava a natureza para compreender as coisas, mas intervinha nela com experiências, para, a partir delas,e elaborar hipóteses e testá-las, num conhecimento indutivo, partindo do particular para o geral, ao contrário do método filosófico medieval.
Desenvolveu-se, assim, enormemente, o conhecimento positivo das leis físicas e químicas da matéria. O uso prático desses conhecimentos levou a inventos e inovações antes inimagináveis. Do método científico aplicado às coisas inanimadas passou-se logo ao corpo humano, à mente humana e mesmo à sociedade e à cultura humanas, desenvolvendo além das ciências físicas e químicas, a anatomia, a patologia, a cirurgia, a psicologia, a sociologia todas as ciências humanas. Isso contribuiu muito para uma visão mecanicista do ser humano, que limitou a sua compreensão aos limites do método científico. Ensinou, porém, de muitas maneiras, a estimular a pessoa humana aos resultados que dela se quiserem alcançar, facilitando a manipulação da pessoa por quem detenha os elementos do poder para tal.
Os experimentos sobre a matéria levaram ao acesso a energias então não disponíveis pelo ser humano. Há trezentos anos, basicamente a energia para todos os trabalhos era praticamente animal, a força física do homem e do animal. Um pouco de uso de energia eólica, nos moinhos de vento, nas embarcações, e de energia fluvial em alguns outros moinhos de rodas de pá movidas pela correnteza de algum rio e só. A partir da máquina a vapor, criou-se o motor de combustão interna, aprendeu-se a converter diversas energias cinéticas da natureza em energia elétrica e a utilizá-la para fins práticos. Descobriu-se e utilizou-se a energia nuclear dos átomos. Isto levou a humanidade a um poder sobre a natureza e a um conforto antes impensável. O frio e o calor foram combatidos e alcançou-se artificialmente uma temperatura mais amena. As distâncias passaram a ser percorridas em tempos mínimos e sem grande esforço, seja na terra, no mar e até através do ar. As subidas cansativas tornaram-se mais fáceis com as novas energias e as edificações, que não passavam de três andares, quando muito, passaram até dos cem. A descoberta do mundo microscópico ajudou a descobrir a cura de doenças sobre as quais antes o homem nenhum poder tinha. Aumentou a média de vida das populações. Muitos remédios e mais conforto, vitória sobre a dor e as doenças. A riquíssima natureza ofertada pelo Criador para o bem do homem mostrou-se ainda mais generosa. Descobriu-se que se podia fixar imagens instantaneamente, sem o penoso e exigente talento da pintura e do desenho, mas através dos raios luminosos com a fotografia e até ver o interior dos corpos, com os raios-X. Se a fotografia multiplicou infinitamente a comunicação das imagens, o cinema multiplicou o poder do teatro para a transmissão de idéias e concepções de vida. As telecomunicações tornaram o mundo pequeno, uma aldeia global, na famosa expressão de McLuhan. Com as telecomunicações aumentou a capacidade de todo poder político. Com a tecnologia digital, isto alcançou um patamar ainda muito maior. O cinema, a televisão, a comunicação de massa, em geral, aliada aos conhecimentos psicológicos tornaram-se uma fortíssima máquina de domínio sobre as massas populacionais, usadas inteligentemente pela burguesia e demais detentores do poder.
A transformação do mundo pelas novas energias mudou o homem. Passou de rural a cosmopolita, a vida, em todos os campos tornou-se mais artificial, o homem distanciou-se cada vez mais da natureza.
“Nesse novo estado, com uma vida simples e solitária, necessidades muito limitadas e os instrumentos que haviam inventado para provê-las, os homens, gozando de muito tempo de lazer, empregaram-no em procurar várias espécies de comodidades desconhecidas de seus pais. E foi esse o primeiro jugo que se impuseram sem pensar e a primeira fonte de males que prepararam para seus descendentes porque, além de continuarem assim a amolecer o corpo e o espírito, tendo essas comodidades com o tempo perdido quase todo o seu encanto e, ao mesmo tempo, tendo degenerado em verdadeiras necessidades, a privação delas se tornou muito mais cruel de quanto sua posse havia sido prazerosa. E tornaram-se infelizes ao perdê-las, sem ficarem felizes ao possuí-las” ( Rousseau, Jean-Jacques, A Origem da Desigualdade entre os Homens, Escala São Paulo 2006, Segunda Parte, p. 61). Parece-nos que esse parágrafo de Rousseau pode aplicar-se perfeitamente às comodidades da vida moderna, que vão se tornando necessidades, atrelando a pessoa humana no círculo vicioso do consumo, por crescente inadaptação à natureza. Não suporta mais o tempo, não suporta mais o sabor natural dos alimentos, tudo lhe faz mal, é perigoso, ou ele assim acha, e, para adquirir os bens de que se sente irremediavelmente necessitado precisa de dinheiro, pois estes bens são todos artificiais, fabricados pelos burgueses em vista de lucro. A vida do homem passa então a girar em torno do dinheiro. Trabalha – ou se serve de outros expedientes – para ganhá-lo e depois, a sua vida é gastá-lo para consumir. A sua tentação de conforto o tornou escravo dessa roda-viva. Todas as atividades passam paulatinamente a uma visão burguesa. Tudo praticamente é questão de investimento para recolher um lucro maior. A saúde e a educação, atividades ligadas ao bem da pessoa, até estas, não são mais praticadas apenas para o bem da pessoa. O fruto primeiro é o lucro do investimento. A ditadura da burguesia parece consolidada. A raiz está na alma do homem, escravizado às facilidades da sua carne.
Esta moleza do homem inadaptado à natureza, descrita por Rousseau, escravizado às artificialidades que o anestesiam é, certamente uma das razões mais fortes que explicam porque o homem de hoje é um grande consumidor de entorpecentes e o comércio de drogas encontra um enorme mercado consumidor. Aqui também funciona a bola-de-neve: quanto mais se consome, mais se sente obrigado a consumir, numa escravidão sem saída.
Essa revolução não está desvinculada de ligação com as outras. Um traço que as une é a perda do sentido de unidade do gênero humano e de cada comunidade humana, em que cada pessoa ou grupo é um órgão que devia funcionar em conjunto com os outros, tendo o todo como um corpo e as partes como órgãos que funcionam para o bem do corpo. Com essa perda vem o individualismo e o descompromisso com o conjunto. No protestantismo, isto vem com a certeza de que a iluminação do Espírito Santo, no livre-exame, se dá a cada um, sem recurso ao magistério da Igreja. No iluminismo, a afirmação da liberdade individual corrói o princípio social. No comunismo, não há órgãos sociais, mas todos são iguais, não deve haver diferenciações, os intelectuais eram obrigados a trabalhos de operários seja em Cuba, na URSS e na China. E o órgão celular da sociedade, que é a família é atacado como uma estrutura opressiva. Na revolução burguesa consumista, o interesse também é sempre individual, pois é o indivíduo que goza os confortos. Embora não ataque dogmaticamente a família e os grupos sociais, como o comunismo, tem a mesma conseqüência prática, por que induz aos sentimentos carnais mais egoístas e vai, progressivamente corroendo todas as instituições.
Este aspecto é o mais trágico de todos no processo, que denominaremos revolucionário, de afastamento dos homens de uma vivência cultural cristã, isto é, de uma civilização cristã. Deveríamos ser contra o progresso científico e tecnológico? A resposta negativa vai contra a inteligência do homem e a sua vocação, pela semelhança divina, para o infinito. Fica evidente, então, que sem uma estrutura espiritual, sem uma libertação da escravidão da carne em grande escala na sociedade, ou seja, sem uma cultura espiritual, até os mais nobres frutos da inteligência humana e os dons que o Criador lhe disponibilizou na natureza acabam concorrendo para a sua destruição.

Tendo examinado as revoluções provocadas pelo nominalismo - a revolução protestante -, pelo iluminismo - a revolução francesa -, a provocada pelo idealismo - a revolução comunista ou marxista, e aquela produzida pela união do conhecimento científico com o sistema comercial burguês, e compreendendo-as como passos de um único processo continuado através dos séculos, de paulatina absorção de valores e concepções opostas às concepções cristãs, referir-nos-emos a esse processo doravante como ‘revolução’ ou ‘processo revolucionário’ e às ações em sentido contrário como ‘contra-revolução’ ou ‘processo contra-revolucionário’. Mesmo que nem sempre essa seja uma linguagem precisa, a adotaremos por simplicidade. É dentro desse contexto que se situam todas as ‘questões atuais de moral’. Esse contexto não pode ficar esquecido.
Capítulo VIII - A doutrina católica entre monarquia e república
A fim de evitar qualquer equívoco, convém acentuar que esta exposição não contém a afirmação de que a república é um regime político necessariamente anti-católico. Leão XIII (Encíclica "Au Milieu des Solicitudes", de 16-II-1892, Bonne Presse, Paris, vol. III, p. 116) deixou claro, ao falar das diversas formas de governo, que "cada uma delas é boa, desde que saiba caminhar retamente para seu fim, a saber, o bem comum, para o qual a autoridade social é constituída".
Taxamos de revolucionária, isto sim, a hostilidade professada, por princípio, contra a monarquia e a aristocracia, como sendo formas essencialmente incompatíveis com a dignidade humana e a ordem normal das coisas. É o erro condenado por São Pio X na Carta Apostólica "Notre Charge Apostolique", de 25 de agosto de 1910. Nela censura o grande e santo Pontífice a tese do "Sillon", de que "só a democracia inaugurará o reino da perfeita justiça", e exclama: "Não é isto uma injúria às outras formas de governo, que são rebaixadas, por esse modo, à categoria de governos impotentes, aceitáveis à falta de melhor?" (A.A.S., vol. II, p. 618).
Ora, sem este erro, inviscerado no processo de que falamos, não se explica inteiramente que a monarquia, qualificada pelo Papa Pio VI como sendo em tese a melhor forma de governo —”praestantioris monarchici regiminis forma”— (Alocução ao Consistório, de 17-VI-1793, "Les Enseignements Pontificaux — La paix intérieure des Nations — par les moines de Solesmes", Desclée & Cie., p. 8), tenha sido objeto, nos séculos XIX e XX, de um movimento mundial de hostilidade que deu por terra com os tronos e as dinastias mais veneráveis. A produção em série de repúblicas para o mundo inteiro é, a nosso ver, um fruto típico do pensamento moderno, e um aspecto capital do modernismo.
Não pode ser taxado de revolucionário quem para sua Pátria, por razões concretas e locais, ressalvados sempre os direitos da autoridade legítima, prefere a democracia à aristocracia ou à monarquia. Mas sim quem, levado pelo espírito igualitário da mentalidade neopagã, odeia em princípio, e qualifica de injusta ou inumana por essência, a aristocracia ou a monarquia.
Desse ódio antimonárquico e antiaristocrático, nascem as democracias demagógicas, que combatem a tradição, promove como elites pessoas sem nenhuma nobreza moral, degradam o “tônus” geral da vida, e criam um ambiente de vulgaridade que constitui como que a nota dominante da cultura e da civilização atuais,... se é que os conceitos de civilização e de cultura se podem realizar em tais condições. Muitas das democracias atuais fariam corar de vergonha democratas de alto nível moral como George Washington, Benjamin Franklin, Thomas Jefferson ou Abraham Lincoln, ou ainda, para citar alguns mais recentes Konrad Adenauer, Alcide de Gasperi ou Robert Schuman, os pais da Europa pós-segunda guerra mundial.
Como diverge desta democracia revolucionária a democracia descrita por Pio XII: "Segundo o testemunho da História, onde reina uma verdadeira democracia, a vida do povo está como que impregnada de sãs tradições, que é ilícito abater. Representantes dessas tradições são, antes de tudo, as classes dirigentes, ou seja, os grupos de homens e mulheres ou as associações, que dão, como se costuma dizer, o tom na aldeia e na cidade, na região e no país inteiro.
"Daqui, em todos os povos civilizados, a existência e o influxo de instituições eminentemente aristocráticas, no sentido mais elevado da palavra, como são algumas academias de larga e bem merecida fama. Pertence a este número também a nobreza" (Alocução ao Patriciado e à Nobreza Romana, de 16-I-1946, "Discorsi e Radiomessaggi", vol. VII, p. 340).
Como se vê, o espírito da democracia revolucionária é bem diverso daquele que deve animar uma democracia conforme a doutrina da Igreja. Mesmo na forma democrática é preciso haver um espírito de nobreza, de desprendimento de si e responsabilidade pelo bem comum. Acontece que a mentalidade que leva à rejeição de qualquer aristocracia e pensa igualitariamente tem uma raiz individualista - oposta à responsabilidade pelo outro - e tende a nivelar por baixo o comportamento social. Não é a estrutura política, monárquica, aristocrática ou democrática que realiza a justiça e a moral, mas o espírito que anima os homens que vivem nessas estruturas. Se é de revolta, de ambição e sede de poder, ou de crença em alguma ideologia que propõe a justiça pela força e pela conquista, teremos injustiça e opressão. Se, porém, o espírito que anima os homens for de sacrifício pessoal, de desinteresse pessoal e busca sincera do bem comum, colocando-se sob um julgamento transcendente, numa palavra, temendo a Deus, teremos o Bem.
Capítulo IX - O pensamento católico e a ditadura
As presentes considerações sobre a posição da revolução moderna e do pensamento católico em face das formas de governo suscitarão em vários leitores uma interrogação: o pensamento católico admite a ditadura ou não?
Para responder com clareza a uma pergunta a que têm sido dadas tantas soluções confusas e até tendenciosas, é necessário estabelecer uma distinção entre certos elementos que se emaranham desordenadamente na idéia de ditadura, como a opinião pública a conceitua. Confundindo a ditadura em tese com o que ela tem sido “in concreto” em nosso século, o público entende por ditadura um estado de coisas em que um chefe dotado de poderes irrestritos governa um país. Para o bem deste, dizem uns. Para o mal, dizem outros. Mas em um e outro caso, tal estado de coisas é sempre uma ditadura.
Ora, este conceito envolve dois elementos distintos:
— onipotência do Estado;
— concentração do poder estatal em uma só pessoa.
No espírito público, parece que o segundo elemento chama mais a atenção. Entretanto, o elemento básico é o primeiro, pelo menos se entendermos por ditadura um estado de coisas em que o Poder público, suspensa qualquer ordem jurídica, dispõe a seu talante de todos os direitos. Que uma ditadura possa ser exercida por um rei (a ditadura real, isto é, a suspensão de toda a ordem jurídica e o exercício irrestrito do poder público pelo rei, não se confunde com o “Ancien Régime” do período absolutista, em que estas garantias existiam em considerável medida, e muito menos com a monarquia orgânica medieval) ou um chefe popular, uma aristocracia hereditária ou um clã de banqueiros, ou até pela massa, é inteiramente evidente.
Em si, uma ditadura exercida por um chefe ou um grupo de pessoas não é moral nem imoral. Ela será uma ou outra coisa em função das circunstâncias de que se originou, e da obra que realizar. O importante é que proporcione a justiça e o ambiente para que os bons possam produzir o bem social, o que só pode acontecer se este valor espiritual estiver, na alma do governante, em lugar mais alto do que os interesses materiais. E isto, quer esteja em mãos de um homem, quer de um grupo.
Há circunstâncias que exigem, para a “salus populi”, uma suspensão provisória de todos os direitos individuais, e o exercício mais amplo do poder público. A ditadura pode, portanto, ser legítima em certos casos.
Uma ditadura contra-revolucionária e, pois, inteiramente norteada pelo desejo de Ordem, deve apresentar três requisitos essenciais:
a) Deve suspender os direitos, não para subverter a Ordem, mas para a proteger. E por Ordem não entendemos apenas a tranqüilidade material, mas a disposição das coisas segundo seu fim, e de acordo com a respectiva escala de valores. Há, pois, uma suspensão de direitos mais aparente do que real, o sacrifício das garantias jurídicas de que os maus elementos abusavam em detrimento da própria ordem e do bem comum - vê-se isso com clareza no uso dos direitos humanos, mais para acobertar e defender criminosos do que suas vítimas - sacrifício este todo voltado para a proteção dos verdadeiros direitos dos bons.
b) Por definição, esta suspensão deve ser provisória, e deve preparar as circunstâncias para que o mais cedo possível se volte à ordem e à normalidade. A ditadura, na medida em que é boa, vai fazendo cessar sua própria razão de ser. A intervenção do Poder público nos vários setores da vida nacional deve fazer-se de maneira que, o mais breve possível, cada setor possa viver com a necessária autonomia. Assim, cada família deve poder fazer tudo aquilo de que por sua natureza é capaz, sendo apoiada apenas subsidiariamente por grupos sociais superiores naquilo que ultrapasse o seu âmbito. Esses grupos, por sua vez, só devem receber o apoio do município no que excede à normal capacidade deles, e assim por diante nas relações entre o município e a região, ou entre esta e o país.
c) O fim precípuo da ditadura legítima só poderia, verdadeiramente, ser a consecução do bem, e o bem é exatamente o que é propugnado pela doutrina católica, como a família, a defesa da vida etc. O que, aliás, não implica em afirmar que a ditadura seja normalmente um meio necessário para a derrota do pensamento anti-católico. Mas em certas circunstâncias pode ser.
Pelo contrário, a ditadura revolucionária visa eternizar-se, viola os direitos autênticos, e penetra em todas as esferas da sociedade para as aniquilar, desarticulando a vida de família, prejudicando as elites genuínas, subvertendo a hierarquia social, alienando de utopias e de aspirações desordenadas a multidão, extinguindo a vida real dos grupos sociais e sujeitando tudo ao Estado: em uma palavra, favorecendo a destruição das personalidades. Exemplo típico de tal ditadura foram o comunismo soviético e o hitlerismo.
Por isto, a ditadura revolucionária é fundamentalmente anti-católica. Com efeito, em um ambiente verdadeiramente católico, não pode haver clima para tal situação.
O que não quer dizer que a ditadura revolucionária, neste ou naquele país, não tenha procurado favorecer a Igreja. Mas trata-se de atitude meramente política - como a Concordata entre Napoleão e a Santa Sé -, que se transforma em perseguição franca ou velada, logo que a autoridade eclesiástica comece a deter o passo à revolução.
Capítulo X – A atual construção do governo mundial e o estabelecimento do reino do Anticristo.
Pode-se observar no mundo atual, já presentes, praticamente todos os elementos que levarão a um governo mundial do Anticristo. O primeiro elemento é que o capitalismo foi, desde a Idade Média até hoje, reforçado para ser cada vez mais centralizador de poder e está levando o mundo inteiro à dependência de um grupo pouco numeroso de famílias que controlam as grandes casas bancárias e grandes empresas, com um poder muito maior que os governos do mundo. As duas guerras mundiais do século XX reforçaram o poder dessas famílias. O governo mundial não é a dominação de um país sobre outros, mas a escravidão de todos os países, inclusive os Estados Unidos, à servidão de uma oligarquia econômica representada por poucas famílias. Aliás, os governos devem obedecer a essas famílias, a esse poder econômico, sob pena de caírem ou prejudicarem gravemente a economia de seus países. Em certos casos recorre-se mesmo ao braço armado, notadamente anglo-americano, com apoio de muitos outros países, como assistimos na invasão do Iraque, sob pretexto de luta contra o terrorismo, em busca de armas de destruição em massa, que nunca foram encontradas. Os governos se submetem com docilidade ao poder econômico desses verdadeiros “donos do mundo”. Estes têm uma ideologia antiga de poder e acham-se escolhidos por Deus para dominar o mundo. Essa oligarquia seria, em nossa projeção, o Anticristo.
Os métodos para alcançar esse domínio não respeitam nenhum padrão moral, mas são orientados somente pelo orgulho e pelo caráter secreto dessas ações, que, apesar disso, vão se tornando visíveis no mundo. Outro elemento importante é o uso da inteligência humana para planificar tudo em vista dessa dominação mundial, em vista de um verdadeiro governo mundial. Os processos globalizantes atuais, a nível tanto político como econômico e cultural, dos quais a unificação da Europa é um forte exemplo, são indícios da construção desse governo mundial. É interessante notar que tal processo é de cunho capitalista, mas esquerdas socialistas são também braços que realizam os mesmos passos que levarão a esse governo mundial. Quem acha que o socialismo é uma alternativa ao capitalismo mostra ingenuidade infantil, e não percebe que ambos os regimes são igualmente materialistas e trabalham juntos na mesma direção. Quem duvidar perceberá isso na continuação desta projeção.
Entre as estratégias para governar o mundo segundo a planificação da inteligência humana, está o controle populacional do mundo, especialmente dos países menos desenvolvidos economicamente, cujas terras, ricas em termos agrícolas e minerais são ambicionadas pela oligarquia. As populações dos países pobres são vítimas de campanhas de esterilização e aborto, financiadas pela oligarquia e atuadas por inúmeras ONGs, também com apoio financeiro a candidatos a cargos políticos que promovam leis nesse sentido. A oligarquia não quer que essas populações cresçam também para não consumir esses recursos, mas principalmente, para tendo uma população em crescimento zero, melhor planejar a economia mundial. Não quer também que esses países se desenvolvam, para não apresentar óbices à concentração de poder mundial, não desequilibrar a gangorra do poder mundial. Não lhe interessa também revoltas políticas, mas calma e paz. Uma estratégia de manter esses povos em sub-desenvolvimento é a oferta de produtos a preços irrisórios ou mesmo gratuitos (como restaurantes populares) e programas de doação de bens de consumo sem desenvolvimento do trabalho (como bolsa-família). Isto cria um clima de contentamento em certas parcelas da população contendo a insatisfação popular e as revoltas políticas, mas não desenvolvendo o trabalho e a produção não representam nenhum desenvolvimento para o país onde isso ocorre. Esta estratégia atrai votos para os governantes que assim se submetem à estratégia do governo mundial, reforçando seu poder, mas acostuma populações inteiras ao ócio e à marginalização do processo produtivo.
O governo mundial, com o controle dos meios de comunicação social, informa mal as populações sobre as verdadeiras dimensões dos problemas ecológicos, como o efeito estufa e o aquecimento global, entre outros, sempre para evitar o apoio a obras de infra-estrutura que representem verdadeiro desenvolvimento para os países. Assim, conseguiram embargar em muitos países a construção de necessárias usinas nucleares, a construção de rodovias, ferrovias e canais para desenvolver os transportes e sempre dificultar o desenvolvimento dos países. Ataca também fortemente a posse da bomba atômica por países, como o Irã e a Coréia do Norte (o Brasil também), onde seu controle sobre os governos não é total como acontece nos Estados Unidos e na Inglaterra. O problema ecológico é utilizado de forma colonialista e ditatorial.
O governo mundial detesta também qualquer idéia de ditadura e também quer enfraquecer o estado nacional soberano. A ditadura pode colocar empecilhos à concentração mundial de poder, fortalecendo a soberania do estado. Aliás, o governo mundial não detesta somente as ditaduras, mas toda concepção hierárquica e ordeira, que leva pessoas livres a colaborar entre si de forma leal em prol de sua libertação. Para isso, o governo mundial insufla pelo mundo todo a ambição material, a vontade de ser magnata, as loterias, o desejo de riquezas, aumentando a corrupção e a dificuldade de as pessoas serem leais umas às outras, num egoísmo cada vez mais acentuado, que corrói qualquer solidariedade social e bem comum. Por isso combate, calunia e enfraquece as forças armadas dos países menos manipulados em suas ações bélicas. Todo regime ordeiro é logo caluniado como “fascista” e se coloca toda a opinião mundial contra tal governo. Exalta a liberdade como um fim em si mesmo e açula o orgulho humano, sempre em vista de impossibilitar o esforço conjunto dos povos por sua libertação e desenvolvimento. O governo mundial defende, pelo mundo todo, as democracias e a plena liberdade de imprensa. Como ela tem o poder econômico, utiliza as liberdades democráticas para, com o controle dos meios de comunicação social, propagar seus ideais, inoculando-os nas mentes e na cultura, e promover políticos dóceis às suas estratégias, financiando suas campanhas e controlando seus mandatos. É o que acontece com a atual promoção do homossexualismo, do aborto, da eutanásia, dos preservativos (com a máscara que é a defesa contra a AIDS) etc. e outras formas de controle populacional.
Outra estratégia do governo mundial é enfraquecer espiritualmente as populações e aliená-las do conhecimento dos processos políticos. Para o enfraquecimento espiritual das populações, combatem a família monogâmica e exclusiva, promovem o homossexualismo, o sexo livre, a pornografia, o consumo das drogas e bebidas (incluindo aqui as drogas auditivas, com o fenômeno das discotecas e os sons em volume muito acima da normalidade da audição humana, que acostumam a não pensar), e tudo que faz a pessoa ser dominada pelos instintos do seu corpo e se tornar escrava de si mesmo e a impossibilita o pensamento reflexivo. O alastrado fenômeno da violência atual é um fruto dessa estratégia, concorrendo também para a diminuição das populações. Para a alienação política dão grande espaço a eventos esportivos, culturais e artísticos nos meios de comunicação social, envolvendo as mentes em informações que em nada mudarão a (in)consciência política e espiritual das populações. Quanto mais as populações, especialmente a juventude, for incapaz de pensar e escrava de seus instintos como os animais, menor é a capacidade de qualquer reação contra o governo mundial. É mais fácil dominar um gado que um grupo de pessoas pensantes.
Nesse contexto vê-se que o combate atual no mundo não é entre capitalismo e socialismo. Tanto uns como outros são materialistas e defendem as estratégias do governo mundial. O combate no mundo é entre o materialismo e o espírito. A ação da Igreja, defendendo a vida humana nascente, desde a concepção até à morte natural, e defendendo os valores da família e do espírito humano em geral é a maior barreira que o governo mundial enfrenta. No fundo é a luta de satanás, querendo destruir a criatura humana, criada à imagem de Deus, reduzindo-a ao nível animal ou matando-a, contra Jesus Cristo que veio “para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (cf. Jo 10,10). Por isso também investe-se em seitas e mais seitas – protestantes, orientais, satânicas etc. – para enfraquecer o catolicismo e calunia-se, por parte da direita e da esquerda, a Igreja, culpando-a por todo o mal que já existiu no mundo, em numerosos livros, filmes, e cátedras universitárias. Investe-se também no laicismo – ateísmo – dos estados e na cultura atéia, combatendo o ensino e até os símbolos religiosos católicos na esfera pública. A tudo isso estamos assistindo no mundo atual. Que firmeza não será necessária, em nosso tempos, aos verdadeiros católicos?
Isso tudo deixa entrever o que parece que será o reino do Anticristo. Uma tirania completa. Um mundo sem valores espirituais. Sem família, sem pátria, uma só “cultura” (?) alienante, que buscará impedir sempre mais o hábito de pensar, com o agravante da falsificação da história da humanidade pela propaganda imperante. As populações controladas totalmente pela esterilização, pelo aborto e eutanásia. O único objetivo do viver será orgulhosamente aproveitar os prazeres da carne. Caso as dores venham, as drogas, totalmente liberadas, serão o anestésico, sempre à disposição. A economia cada vez mais planificada não deixará faltar nada do necessário às populações diminuídas e controladas. Estando o mundo todo submetido a um só governo ditatorial, não haverá mais guerras e conflitos. As pessoas, em geral sentir-se-ão felizes e adorarão o Anticristo, e a ele se atribuirá a paz mundial. A paz de um mundo baseado na inteligência humana de poucos em sua pecaminosa sede de poder, e, ao mesmo tempo marcado pela imbecilização da espécie humana, pela morte e pela ausência de valores e de amor. Se ainda houver cristãos católicos nesse mundo, estes protestarão defendendo os valores da vida, do amor e da família, os valores do Espírito. Serão considerados “inimigos da humanidade”, condenados à morte e perseguidos por todos. Lembrar-lhes-ão das guerras do tempo em que havia cristianismo, de outras misérias também e pregarão que o mundo que construíram é o mundo perfeito para a humanidade. A Igreja, o Corpo de Jesus Cristo, será crucificada e morrerá como o seu Senhor e Cabeça. Mas Ele, a Cabeça, Vivo virá para ressuscitar o Seu Corpo. E então...

“Quando os homens disserem: Paz e segurança!, então repentinamente lhes sobrevirá a destruição, como as dores à mulher grávida. E não escaparão” (1Ts 5,3).

“Mas, quando vier o Filho do Homem, acaso achará fé sobre a terra?” (Lc 18,8).

“E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16,18).

“20... Cristo ressuscitou dentre os mortos, como primícias dos que morreram! 21Com efeito, se por um homem veio a morte, por um homem vem a ressurreição dos mortos. 22Assim como em Adão todos morrem, assim em Cristo todos reviverão. 23Cada qual, porém, em sua ordem: como primícias, Cristo; em seguida, os que forem de Cristo, na ocasião de sua vinda. 24Depois, virá o fim, quando entregar o Reino a Deus, ao Pai, depois de haver destruído todo principado, toda potestade e toda dominação. 25Porque é necessário que ele reine, até que ponha todos os inimigos debaixo de seus pés. 26O último inimigo a derrotar será a morte, porque Deus sujeitou tudo debaixo dos seus pés. 27Mas, quando ele disser que tudo lhe está sujeito, claro é que se excetua aquele que lhe sujeitou todas as coisas. 28E, quando tudo lhe estiver sujeito, então também o próprio Filho renderá homenagem àquele que lhe sujeitou todas as coisas, a fim de que Deus seja tudo em todos” (1Cor 15,20-28).

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